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Vida urbana

De onde vem o “kit-semáforo”

Balas produzidas em cidade do interior de São Paulo são vendidas a R$ 1 nos cruzamentos de Curitiba

Jaime vende os saquinhos de bala em um cruzamento de Curitiba: de R$ 38 a R$ 45 por dia para ajudar a família | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Jaime vende os saquinhos de bala em um cruzamento de Curitiba: de R$ 38 a R$ 45 por dia para ajudar a família (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

Sinal fechado. Vendedores circulam entre os carros e penduram nos retrovisores externos saquinhos com balas enfileiradas de sabores sortidos, exibindo uma mensagem que pede a colaboração do motorista ou passageiro e informa o preço do produto: R$ 1. A cena, comum na região central de Curitiba, chama a atenção de quem passa pelos cruzamentos. Apesar de as embalagens seguirem sempre o mesmo padrão, os ambulantes não têm vínculo com nenhuma empresa. Segundo estimativas de fontes ligadas ao setor, são cerca de 80 trabalhadores autônomos espalhados pela cidade, que recorrem à atividade para garantir o sustento ou complementar a renda familiar.

As balas, quase invariavelmente, são produzidas pela Riclan, de Rio Claro (SP), detentora da marca Freegell’s. Há quatro anos, a empresa resolveu apostar no filão dos "marreteiros" e lançou um kit-semáforo promocional. Na compra de cada pacote de 700 gramas, contendo 192 balas, o ambulante levava de brinde 12 saquinhos com a logomarca da Riclan e as etiquetas impressas com as mensagens. De acordo com a empresa, a promoção foi dirigida à cidade de São Paulo. Em Curitiba, os vendedores adquirem separadamente os saquinhos, cada um com capacidade para 16 balas, e produzem a mensagem por conta própria, usando carimbos ou copiadoras.

A distribuidora Doce Center, nas imediações do Terminal Guadalupe, se especializou em atender os "marreteiros". A empresa vende cada pacote por R$ 4,15. Isso resulta em uma margem de lucro de quase 190% para o ambulante. "Não dá para ficar rico, mas dá para se manter bastante", garante Felipe de Sousa, de 18 anos, que vende balas há três anos no centro de Curitiba. Felipe interrompeu os estudos na oitava série, mas ainda pensa em voltar à escola. Ele pretende arrumar um emprego com carteira assinada. Só optou pela informalidade porque está na idade de se alistar para prestar o serviço militar obrigatório.

A vendedora Daiane Isabel Juciane, de 20 anos, começou há três meses na atividade, mas já está obtendo um retorno financeiro considerável. "Trouxe 130 saquinhos de balas e já vendi 115", conta. Segundo ela, alguns clientes querem mesmo as balas, mas outros compram apenas para ajudar. "Alguns dão dinheiro e nem levam a bala."

Neiva de Fátima Silva, de 46 anos, vende balas de terça-feira a sábado na esquina da Avenida Marechal Floriano Peixoto com a Avenida Sete de Setembro. O marido é aposentado por invalidez, e o casal mora com um filho de 2 anos. Ela normalmente trabalha no período da manhã, mas às vezes aparece à tarde. "Prefiro vir de manhã, porque à tarde o sol é muito forte", explica. "Além disso, posso ficar em casa à tarde para cuidar do bebê." Por dia, ela costuma ganhar de R$ 30 a R$ 40. "Como não tenho muito estudo, não consigo arrumar serviço", lamenta. Ela já preencheu fichas para se candidatar a empregos como doméstica e como auxiliar de produção em empresas, mas não consegue.

Dificuldades

O trabalho nas ruas não é fácil. Neiva conta ter sofrido ofensas e humilhações durante o trabalho. "Outro dia uma moça em um carro importado jogou as balas no chão e saiu me xingando", conta. "Mas todo mundo que trabalha está sujeito a humilhações. Quem trabalha em firma também é humilhado por um chefe ou um colega."

Segundo a ambulante, não há um perfil definido de consumidor das balas. Pessoas da mesma classe social – ou pelo menos com veículos da mesma faixa de preço e estado de conservação – podem reagir de formas opostas ao trabalho dos vendedores. "Alguns fecham os vidros ao nos ver", reclama Neiva. "Se quiséssemos roubar, acha que estaríamos aqui? Temos olhos, braços e pernas para trabalhar."

As condições atmosféricas também interferem no trabalho dos vendedores. O mau tempo obriga os ambulantes a suspender a atividade, prejudicando a regularidade dos rendimentos. "Trabalhar debaixo de chuva ninguém merece", pondera Daiane.

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