
A restrição ao uso de algemas, determinada pela súmula vinculante número 11, de agosto passado, do Supremo Tribunal Federal (STF), motivou a discussão sobre outros instrumentos usados durante as prisões. De acordo com a decisão, o uso de algemas só é lícito em casos excepcionais. Entre os meios que passaram a ser contestados também está o "cercadinho" o espaço dentro dos carros policiais, parecido com uma gaiola, onde são transportados os presos.
De acordo com o jurista René Ariel Dotti, professor de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o cercadinho e outros meios são uma espécie de reencarnação das marcas a ferro quente utilizadas no Brasil Colônia para apontar publicamente culpados por crimes. "Na primeira Constituição do império, em 1824, essa prática já foi proibida. O uso de algemas, por exemplo, já estava em discussão havia muito tempo, pois fere os direitos humanos e é um atentado contra a dignidade", diz.
Outros advogados e criminalistas concordam com Dotti em relação à quebra dos direitos humanos. Para o criminalista Juliano Breda, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o cercadinho, se exercer pressão física e psicológica, também é um fator de ofensa à integridade e à imagem da pessoa.
O que todos eles levantam é que uma pessoa não deve ser exposta como criminosa antes mesmo de ser julgada. "O problema não é só o uso de algemas ou do cercadinho em si, mas a exposição do indivíduo", diz Breda.
Lúcia Antônia da Silva, 47 anos, moradora na Vila Caiuá, em Curitiba, perdeu dois irmãos assassinados há cerca de dez anos. Um deles foi morto em uma festa de aniversário, e o outro devido a uma briga em um jogo de sinuca. Diante do drama familiar, Lúcia poderia defender que os assassinos dos seus irmãos fossem presos com o uso de algemas. Mas ela diz acreditar que a utilização deste instrumento vai contra a dignidade humana. "Um sobrinho meu, de 16 anos, foi algemado pela polícia junto com um amigo dentro da sua própria casa. Isso gerou uma revolta muito grande tanto nele quanto na família. Eu achei uma violência enorme da parte deles. Depois disso, ele se revoltou muito. Da forma como fazem, é muito agressivo contra a imagem da pessoa", conta. O sobrinho de Lúcia, que ela prefere não identificar, foi acusado de ter arma de fogo em casa. A polícia foi até lá após receber uma ligação anônima, mas nada foi encontrado.
Segundo o chefe de comunicação da Polícia Federal, Altair Menosso, a polícia está cumprindo a súmula. "Fazemos nossas operações e algemamos em casos que apresentam risco, como traficantes de drogas, por exemplo. Na dúvida, sempre algemamos."
Tribunal
A questão também envolve o uso de algemas durante o julgamento no tribunal do júri. De acordo com Breda, o fato de o réu estar algemado pode influenciar os jurados na hora da decisão. " Isso passa aos jurados a sensação de que a pessoa é perigosa", diz. Para o jurista Dotti, a discussão sobre o tribunal é levantada desde 1992, e não há a menor necessidade de algemas. "Se precisar, caso haja alguma reação do acusado, a polícia deve agir. Mas só nesse caso", explica.
Dotti argumenta que não se trata de a polícia deixar a pessoa livre, como acreditam alguns, mas é uma questão de respeito à dignidade humana. "Isso sempre aconteceu nas classes mais baixas. Havia um abuso porque essas pessoas não podiam pagar um advogado e a Defensoria Pública não consegue dar conta. Depois de escândalos com pessoas importantes, finalmente tomaram essa decisão de não algemar, porque aí o que antes era feito no porão passou para a sala de jantar", comenta o jurista.



