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Espera no campo

Dilma reduz o ritmo da reforma agrária

Sem pressões vindas do campo e com prioridade à balança comercial, presidente reduziu assentamentos. No país, há 800 mil famílias à espera de terra

Veja o número de famílias assentadas no Brasil |
Veja o número de famílias assentadas no Brasil (Foto: )
Com vocação para agricultura, João Botinha vive há 10 anos no acampamento Emiliano Zapata, em Ponta Grossa, à espera do assentamento |

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Com vocação para agricultura, João Botinha vive há 10 anos no acampamento Emiliano Zapata, em Ponta Grossa, à espera do assentamento

A reforma agrária reduziu o ritmo no ano passado no Brasil. A presidente Dilma Rousseff criou em seu primeiro ano de governo 74% menos assentamentos do que seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Se Lula fez por ano uma média de 444 assentamentos ao longo dos dois mandatos, Dilma realizou apenas 117 no ano passado. Ao todo, o ex-presidente regularizou, em média, a situação de 59.778 famílias sem-terra por ano. Já nos assentamentos criados pelo atual governo, apenas 22.021 famílias tiveram acesso à terra.

Levando em conta somente os primeiros anos de mandato de Lula e de Dilma, o número da reforma agrária no país caiu quase 40% na atual gestão. Em 2003, foram assentadas 36.301 famílias em 321 assentamentos criados em todo o país. O menor número regularizado durante a gestão de Lula ocorreu no último ano de governo, em 2010, com a criação de 203 assentamentos, que beneficiou 39.479 famílias.

Diversos fatores contribuem para a queda nos números de reforma agrária no país. Um dos motivos apontados por especialistas se deve à própria prioridade do atual governo. Para o doutor em Sociologia na Univer­sidade de Brasília (UnB) Sérgio Sauer, o governo de Dilma prioriza investir na política comercial externa, na qual depende de exportação de matérias-primas (a maioria oriunda do campo). "Há mais interesse nesse mo­­mento em controlar a balança comercial, com políticas de co­­mércio exterior, do que criar novos assentamentos", explica.

Soma-se a isso a queda na quantidade de ocupações de terra no país. No Paraná, por exemplo, o Instituto Nacional de Colo­nização e Reforma Agrária (In­­cra) não computou nenhuma invasão no último ano. Já em 2003, o estado foi palco de 35 ocupações, que resultaram em duas mortes no campo. Segundo Sauer, se não houver mais mobilização social os números da reforma agrária tendem a se estabilizar nos próximos anos.

"Esse é o cenário inicial que de­­ve se manter. Não há mais uma pressão forte da massa pa­­ra que a reforma agrária seja tratada de forma mais ágil", pontua. A estimativa do Incra é de que existam hoje 800 mil famílias aguardando pela reforma agrária, cerca de 6 mil no Paraná.

Infraestrutura

Outro ponto que contribui para a desaceleração da reforma agrária também está ligado a outros interesses e promessas do governo Dilma. Conforme salienta o professor Flávio Botelho, do curso de Agronomia da UnB e especialista no tema, Dilma já teria deixado claro que a tendência não é avançar em números de assentamentos. "A prioridade do governo é tentar dar melhor infraestrutura aos que já existem. Essa é uma política necessária, mas também se deve pensar em distribuir melhor a renda através da reforma agrária", ressalta.

O superintendente do Incra no Paraná, Nilton Bezerra Gue­des, explica que o governo federal pretende fornecer melhores condições de trabalho para quem já está assentado.

O objetivo é fornecer infraestrutura mínima, como água e luz, e também capacitar os agricultores. "No Paraná, temos 185 técnicos que visitam 319 assentamentos do estado para dar assistência e cursos aos que já estão assentados", afirma.

Terras estão cinco vezes mais caras

Atualmente o Incra encara a dificuldade de encontrar áreas improdutivas para realizar a desapropriação. Por isso, a luta constante é pela compra de terras para que a reforma agrária saia do papel. No entanto, em 12 anos o preço de um alqueire subiu quase dez vezes. Segundo o superintendente estadual do Incra, Nilton Guedes, em 2000 era possível comprar um alqueire por algo em torno de US$ 1,5 mil e US$ 2 mil.

"Hoje esse valor varia entre US$ 10 e US$ 12 mil. O custo é muito alto. No início do governo Lula as desapropriações foram realizadas mais no Norte do Brasil. Como as terras de lá estão escassas, busca-se terras nas regiões Sul e Sudeste, que tem o preço mais elevado", revela. De acordo com ele, há uma década, o custo para assentar uma família era de R$ 20 mil. Hoje esse valor já chega perto de R$ 80 mil.

Na década de 1990, de cada 100 propriedades vistoriadas pelo Incra, 70 eram declaradas improdutivas. Hoje, a cada 100 vistorias, quatro propriedades se encaixam nesses termos. "Tem muita terra improdutiva que não tem relevo adequado para a agricultura. E isso também não ajuda", diz Guedes. No estado, o Incra possui 153 processos para ceder terrenos aos sem-terra, que juntos somam 135 mil hectares. Desses, 51 processos correspondem à compra de lote, o que equivale a 34 mil hectares. Somente 24 mil hectares seriam oriundos de desapropriação. O restante é de processos que visam arrecadar terras públicas.

Meio ambiente

De cinco anos para cá, a criação de assentamentos começou a cair. De 2006 para o final de 2007, por exemplo, a redução chegou a 42%. Em 2006, o governo federal criou 678 assentamentos contra 391 no ano se­­guinte. A explicação para isso, segundo o Incra, se deve a uma normativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que entrou em vigor em dezembro de 2006. "Essa normativa pede que qualquer assentamento tenha uma espécie de licença ambiental para funcionar. E isso torna o processo mais lento. Mas para outra pessoa ter um empreendimento rural não necessita dessa licença", indaga Guedes.

Dentre as obrigatoriedades da norma, o órgão ambiental de cada estado deve emitir um laudo que ateste que haverá preservação ecológica com a criação dos assentamentos.

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