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Infância

Doação de recém-nascido é investigada

Mulher confirma que doou bebê para casal, mas nega que tenha vendido criança por drogas

Delegado Nagib Palma: mãe e casal que recebeu o bebê vão ser indiciados | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Delegado Nagib Palma: mãe e casal que recebeu o bebê vão ser indiciados (Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo)

Telêmaco Borba - A Polícia Civil em Telêmaco Bor­­ba, nos Campos Gerais, investiga a denúncia de que uma mulher teria trocado o filho recém-nascido por 38 pedras de crack. Uma ligação anônima para o telefone 181 levou os policiais até um casal que estava com o bebê, na noite de sexta-feira. Um documento datilografado, com a supervisão de um advogado, confirma que a mulher fez a doação do bebê para o casal. Mas todos os envolvidos negaram, em depoimento, que a entrega da criança estava condicionada ao pagamento em drogas.

A mãe, uma manicure de 30 anos, disse que tem mais três filhos, que estariam morando com parentes. Reconheceu em depoimento que já experimentou crack, mas disse que não usa mais. Ela teria se separado do pai da criança – ele, usuário de crack – e, por acreditar que não tinha condições financeiras para criar o bebê, decidiu doá-lo a uma família de conhecidos. O filho foi entregue no dia 23 de agosto, com um dia de vida, e ainda não teria sido registrado.

O casal que recebeu o bebê – ela de 46 anos e ele de 41 anos, pais de três filhos – também é alvo das in­­­­vestigações. Eles não têm antecedentes criminais e, por enquanto, nenhum indício de ligação com o tráfico de droga. A reportagem procurou os envolvidos, mas não havia ninguém nas casas. O bebê, com uma semana de vida, está em uma casa-lar em Telêmaco Borba. O Conselho Tutelar da cidade, conta a presidente Luciana Ribas, procura parentes da manicure para saber se alguém tem condições de ficar com a guarda da criança ou se ela será encaminhada para adoção.

O delegado Nagib Nassif Palma está investigando se há alguma negociação envolvendo drogas. Ele relata que os policiais fizeram buscas nas casas e não encontraram vestígios ou indícios. O inquérito está aberto, mas Palma já disse que vai indiciar os envolvidos, inclusive o advogado, com base no Estatuto da Criança e do Ado­­lescente (ECA) pela adoção ilegal do bebê. O artigo 238 prevê que entregar um filho mediante pagamento ou recompensa, assim como receber a criança ou intermediar a negociação, é crime, com pena prevista de prisão de 1 a 4 anos. O casal admite que pagou um exame de ultrassonografia no valor de R$ 60 para a manicure.

O policial federal Sólon Cícero Linhares é mestre em Criminologia Crítica e estuda o mercado da droga. Ele enfatiza que os viciados podem tomar atitudes que não são compreensíveis no senso comum. Ele defende que o lucro das negociações é motivador de ações inconsequentes. O traficante não se importa, afirma Linhares, com a fonte usada para pagar a droga. Já quem compra sabe apenas calcular quanto um determinado bem vai render em drogas, sem conseguir discernir sobre o "preço" real do que está sendo trocado. O dependente perde as referências. "Que valor tem um filho?" talvez seja uma pergunta que ele não consegue responder.

Diretor-clínico do Hospital Nossa Senhora da Luz, Dagoberto Requião diz que infelizmente não se surpreende com a possibilidade da troca de um filho por drogas e conta que já ouviu relatos, em 40 anos de trabalho, de situações semelhantes. Médico, ele explica que algumas drogas agem no sistema de recompensa do cérebro, promovendo sensações de prazer ao mesmo tempo em que diminuem a autocrítica. "Por isso muitos dependentes pegam objetos de valor em casa, sem perceber a importância sentimental deles, e trocam por drogas. A eventual troca por um filho segue o mesmo princípio, mas numa condição extrema, em que o vínculo da maternidade é menos importante que o prazer proporcionado pelo crack", conta.

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