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Macau é um breve território de 28 km² encravado no sul da China pelos portugueses desde 1557, justo no momento, também breve, em que Portugal dominava o mundo. Se os europeus sempre viveram a volúpia da conquista por mares nunca dantes navegados, a imemorial civilização chinesa bastava-se a si mesma, determinando-se o centro do mundo e se protegendo dos perigos externos, que foram muitos. É sintomático que uma de suas obras mais fantásticas seja justamente a Muralha da China, uma engenharia de defesa.

O pequeno entreposto comercial sobreviveu nas mãos dos portugueses por mais de quatro séculos, até que um acordo firmado em 1999 determinasse a devolução definitiva de Macau à China em 2049. Por enquanto, é uma cidade de administração autônoma – cabe à China comunista apenas o controle da defesa e da política externa. Pois este escriba foi parar ali, encerrando sua participação na I Jornada Literária a convite das embaixadas brasileiras no Japão e na China.

São muitas as estranhezas e curiosidades de Macau, que concentra em suas duas ilhotas – Taipa e Macau –, ao longo de blocos compactos de prédios, uma das maiores concentrações urbanas do planeta (em torno de 18 mil habitantes por km²) e uma respeitável renda per capita (US$ 36 mil); e a moeda local para nós tem graça: chama-se "pataca", ora pois!

Após um bom tempo mergulhado em ideogramas indecifráveis, senti o prazer de rever minha língua – até descobrir outra verdade: em Macau, tudo é escrito em português, mas ninguém fala português. O espaço da língua vai-se minguando, concentrado em menos de 3% de falantes, enquanto o cantonês – falado no sul da China – domina Macau. A cultura portuguesa luta para se preservar do lento e inexorável torniquete linguístico, econômico e político da China dominante, uma segregação que se percebe sutil – a sensação que tive é de que ali nada se mistura.

A língua mantém-se viva pelo rádio (fui entrevistado num saboroso programa chamado Rua das Mariazinhas), televisão (onde me perguntaram sobre os perigos do malfadado acordo ortográfico, uma obsessão portuguesa – e eu nem me lembrava mais dele!) e revistas de alto padrão gráfico, como Macau. E a bela Livraria Portuguesa, na região antiga da cidade, mantém um pequeno auditório para palestras e exposições.

A arquitetura portuguesa conserva-se em bairros típicos, fonte intensa de turismo, mas, insidiosamente, espigões modernosos foram espetando o horizonte até transformar a paisagem no que é hoje – um misto inverossímil de discreta memória colonial e ostensiva arquitetura kitsch com tapumes fulgurantes de Las Vegas. Maior fonte de renda do território, os cassinos dão literalmente as cartas em Macau, recebendo hordas de turistas da nova classe média chinesa. Outro dos paradoxos da China comunista – ou apenas, quem sabe, da milenar paciência oriental.

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