
Depois de poucos minutos buscando na internet a frase "compra de balas e doces" a princípio uma busca inocente , um anúncio chama a atenção. Um amontoado de nomes como orbital roxa, dont stop, charada, playboy, blue mary parecem não fazer sentido, mas o público a quem o anúncio se destina sabe muito bem o que esses nomes significam. São variedades de uma droga até pouco tempo desconhecida e impo-pular no Brasil: o ecstasy. O vendedor até divulga um telefone celular com DDD de Goiânia.
A reportagem ligou para o número e se identificou como um comprador. Um rapaz chamado Mendes atendeu e suspeitou da ligação no início. Minutos mais tarde, já descontraído, falou o preço das mercadorias e disse que entrega em mãos se o cliente quiser. Segundo ele, um motorista faz a rota até as regiões Sudeste e Sul do país e pode ligar quando estiver na cidade.
Uma caixa com 12 frascos de lança-perfume argentino custa R$ 280, o mesmo preço de uma cartela de LSD. Os nomes da variação do ácido lisérgico também são curiosos: bike 2000, olho de shiva, bike 100 anos, internet explorer. Tudo isso faz parte de um código para evitar que a polícia rastreie mais facilmente a venda dessas substâncias.
O ecstasy é mais caro, porque de acordo com o vendedor, "vem direto de Amsterdã". Mendes não disse quanto custava cada pílula, perguntou apenas quanto era em Curitiba e argumentou que poderia fazer mais barato. Nas festas da capital, cada "bala" é vendida por cerca de R$ 40. As mercadorias vêm embaladas em caixas de aparelhos de DVD com nota fiscal. O anúncio está em um fórum de encontros amorosos. O vendedor contou que está no mercado desde 1998 e que apenas deseja "atender os clientes com tranquilidade".
Expansão
A facilidade com que a compra e venda dessas drogas ocorrem mostra porque elas vêm conquistando um mercado no Brasil que até então era predominantemente preenchido pela cocaína, maconha e crack. O uso também é mais discreto. O crack, a maconha e a cocaína exigem um ritual e apetrechos para finalizar o consumo, como um cachimbo, por exemplo, no caso dos dois primeiros. A cocaína vem embalada e precisa ser posta em "carreira" para ser cheirada. O ecstasy é consumido, literalmente, como uma bala, daí o apelido. A polícia diz que tem grande dificuldade de encontrar usuários porque o consumo é rápido e não deixa marcas, como os olhos vermelhos deixados pela maconha ou os dedos amarelos frutos do crack.
As apreensões das "drogas de elite" pela Polícia Federal em todo o país tiveram um crescimento gigantesco nos últimos oito anos. As de LSD, por exemplo, cresceram 5.000%. As de ecstasy, 2.500%, passando de 5 mil comprimidos em 2000 para 132 mil, ano passado. Somados os oito anos, mais de 500 mil "balas" foram apreendidas, sendo 2007 e 2008 responsáveis por quase 60% do total. Os números revelam que a substância começa a cair no gosto da classe média alta brasileira. No mesmo período, a cocaína teve um crescimento de 500% e o crack, 3.000%.
O ecstasy, o LSD e o lança-perfume são drogas geralmente consumidas por pessoas com maior poder aquisitivo, já que têm um alto custo e são mais difíceis de serem encontradas. São comuns em bares e boates da moda e em festas raves. De acordo com a polícia, esses são os locais de maiores consumos, já que, segundo os usuários, não dá "pira" (efeito) se não puder extravasar.
Os vendedores dessas drogas quase nunca estão armados, já que isso assustaria a clientela, e não se consideram traficantes. Na maior parte das vezes são jovens de classe média ou alta, estudantes, que não acreditam, ou fingem não acreditar, estar cometendo um crime.
Só pessoalmente
Em outro contato que a Gazeta do Povo fez pela internet com um vendedor de ecstasy, o rapaz se mostrou assustado com a procura. Desta vez a conversa foi feita pelo site de relacionamento Orkut e pelo MSN. Claúdio deixou um recado discreto em uma comunidade do Orkut sobre a droga, avisando que a tinha disponível. Ele relutou em conversar com a reportagem pelo MSN porque queria saber a identidade real da pessoa que iria fazer a compra. "Cara a cara, pessoa jurídica, aí nos procedemos", disse.
Depois de um tempo, ele aceitou negociar sem saber mais informações. Disse que estava com medo porque a Polícia Federal estava cercando seu grupo. Um amigo havia sido morto na semana anterior em condições misteriosas.
O negócio é o mesmo de Mendes. Depósito em conta bancária e entrega em mãos. Ele disse que a droga vem de São Paulo para Curitiba e que a entrega seria feita na Fazenda Rio Grande, região metropolitana da capital. O jovem tem o perfil descrito pela polícia: trabalha no Tribunal de Justiça de São Paulo, é universitário, cheio de amigos, como mostram as fotos do site de relacionamentos. Para esse tipo de traficante, a venda de drogas serve como forma de ganhar um "extra" e também manter o consumo sem gastar nada.




