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Confortado pela esposa, o oficial de polícia Vinícius Figueiredo chora diante do caixão do pai,  Carlos Alberto Figueiredo, morto no acidente na base brasileira na Antártida: vítimas receberam honras de herói | Antonio Scorza/AFP
Confortado pela esposa, o oficial de polícia Vinícius Figueiredo chora diante do caixão do pai, Carlos Alberto Figueiredo, morto no acidente na base brasileira na Antártida: vítimas receberam honras de herói| Foto: Antonio Scorza/AFP

Mortos na tragédia são homenageados no Rio

"Meu filho era tudo para mim. Sempre foi o meu herói. Eu só quero ver o corpo dele", disse Nair Santos, a mãe do primeiro-sargento Roberto Lopes dos Santos, 45 anos, que morreu junto com o suboficial Carlos Alberto Figueiredo, 47 anos, tentando combater o incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz. Cerca de 40 parentes e amigos dos dois militares participaram da cerimônia de homenagens póstumas na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, que teve a presença do vice-presidente Michel Temer e do ministro da Defesa, Celso Amorim, entre outros.

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  • No sentido horário, as pesquisadoras Nádia Sabchuck, Maria Rosa Pedreiro, Priscila Krebsbach e Cintia Machado, que estavam na Antártida durante o incêndio na base brasileira, e a professora Lucélia Donatti, orientadora das estudantes no programa antártico

O incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz foi um duro golpe para os projetos científicos realizados pelo Brasil no continente. Segundo o pesquisador do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jefferson Cardia Simões, cerca de 40% dos estudos eram feitos dentro da estação. O custo para a ciência, entretanto, ainda não pode ser estimado.

Segundo a coordenadora da pós-graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Lucélia Donatti, o principal problema é a descontinuidade das pesquisas tocadas pelo núcleo. Muitas eram baseadas em séries históricas, ou seja, avaliadas ao longo do tempo. Com essa interrupção, parte do trabalho, ou mesmo trabalhos inteiros podem ser perdidos. "É um prejuízo muito grande, por conta de interromper a continuidade dos projetos", afirma.

Além disso, houve a perda de equipamentos e materiais caros e de difícil acesso. Dentre os instrumentos danificados estava um aparelho usado para medir e fotografar organismos microscópicos localizados na coluna de água da região. Adquirido por US$ 120 mil, estava sendo utilizado pela primeira vez.

"Era nossa vedete e o Brasil foi o primeiro país da América Latina a usá-lo", ressaltou a coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais, Yocie Yoneshigue Valentin. Ela diz que vai se reunir com os pesquisadores que desenvolviam trabalhos de campo na Antártida "o mais rápido possível" para avaliar as perdas. Yocie acredita que a reunião deverá ocorrer no fim da semana que vem.

Apesar das perdas, Simões destaca que havia backups de parte dos materiais coletados nos últimos anos, o que pode amenizar o prejuízo do acidente para a ciência brasileira. Além disso, diz que outras atividades eram realizadas fora da estação, como, por exemplo, em navios ancorados na costa antártica, e não devem ser afetadas.

Maior que as perdas para a ciência, entretanto, foram as perdas humanas. O pesquisador do Centro de Estudos do Mar da UFPR César de Castro Martins passou, somadas todas as vezes que esteve na Antártida, mais de um ano de sua vida na estação e trabalhou com os dois oficiais que morreram no incêndio. De acordo com ele, os pesquisadores ainda estão transtornados com a tragédia e não conseguem parar para pensar o que vai ser da estação no futuro. "Até agora, não acredito no que aconteceu. A ficha está caindo aos poucos", revela.

Importância

Simões afirma que vários estudos bastante relevantes para a ciência brasileira eram realizados no continente. "Isso vai desde questões envolvendo a circulação da atmosfera do oceano, da biodiversidade e também do impacto da atividade humana na Antártida", afirma. Ele cita como exemplo de estudos a gênese das frentes frias, a confluência das correntes do Atlântico Sul e o registro de ações climáticas do passado.

Pesquisadoras da UFPR

Treinamento contra fogo evitou baixas civis

Todos os participantes de expedições brasileiras na Antártida eram treinados para saber como agir em incêndios e eventuais acidentes. Essa preparação prévia evitou que civis estivessem entre os mortos na Estação Comandante Ferraz, segundo quatro pesquisadoras da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que falaram ontem pela primeira vez sobre a tragédia ocorrida no último sábado.

"A primeira coisa que a gente faz quando chega lá é participar de uma palestra sobre nossa conduta em caso de incêndio ou outra adversidade", conta a doutoranda em biologia celular e molecular Cintia Machado. Ela, Nádia Sabchuk (mestranda em Ecologia e Conservação), Maria Rosa Pedreiro e Priscila Krebsbash (ambas mestrandas em Biologia Celular e Molecular) estavam juntas, conversando dentro da estação, quando o fogo começou. A reação foi rápida: só deu tempo de pegar pertences essenciais e correr para o local designado para se proteger.

Esperança e choque

Os pesquisadores ficaram reunidos em um refúgio, enquanto os militares tentavam combater o fogo. Em alguns momentos, elas chegaram a ter a esperança de que o fogo poderia ser controlado. Por volta de três horas depois do início do incêndio, algumas pessoas tiveram a notícia da morte dos militares Roberto Lopes dos Santos e Carlos Alberto Vieira Figueiredo. "Na hora foi bastante chocante, mas a gente não estava comentando porque a situação estava se agravando e ninguém queria que todo mundo entrasse em desespero. As pessoas que sabiam se mantinham em silêncio", lembra Nádia.

As pesquisadoras contaram, também, que o baque foi grande. "Todo mundo que trabalha com a Antártida tem uma paixão muito grande pelo local e pelas pesquisas que realiza, por saber da grandiosidade daquele local. No momento que a gente estava saindo de lá, a dor de ver aquele local da maneira como ficou foi muito grande, sem contar as duas vidas que se perderam", comenta Maria Rosa. Entretanto, elas ainda querem voltar ao continente. "Eu desejo poder voltar e ver uma nova estação brasileira", completa. A UFPR participa do programa antártico desde 1984.

A coordenadora do programa de pós-graduação em Ecologia e Conservação da Federal, Lucélia Donatti, quer que os pesquisadores possam opinar na reconstrução da base brasileira na Antártida. "A comunidade científica tem que ser ouvida, pois precisamos de uma estação com características de competitividade".

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