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Tenentismo

Ecos da revolta emergem das águas

Empresário resgata do fundo do Rio Paraná dois barcos usados pelos militares que há 85 anos se rebelaram contra o governo da época

Pelo valor histórico e o longo período submersas sem reclamação de posse, os batelões são consideradas patrimônio da União | Osmar Numes/Gazeta do Povo
Pelo valor histórico e o longo período submersas sem reclamação de posse, os batelões são consideradas patrimônio da União (Foto: Osmar Numes/Gazeta do Povo)

Relíquias de um período conturbado da história brasileira, que repousavam no leito do Rio Paraná desde os anos 20 do século passado, foram recuperadas há cerca de um mês. Uma equipe liderada pelo empresário Ismael Alves Esmanhoto, de Santa Isabel do Ivaí, Noroeste do estado, resgatou dois barcos usados pelas forças rebeldes do movimento tenentista, na re­gião de Rosana (SP), no Pontal do Para­­napanema.

As duas embarcações se transformaram na principal atração turística de Santa Isabel do Ivaí. Esmanhoto pretende restaurá-las, mas nada poderá fazer enquanto não for tomada uma decisão oficial. "Minha intenção é fundar um museu para manter os dois barcos aqui na região", explica. Segundo o empresário, as duas embarcações precisam de reparos, pois apresentam estado avançado de corrosão.

A operação que resultou no resgate começou em meados de julho, quando o empresário construiu uma carreta para transportar o material resgatado. Na virada do mês, seis pessoas foram mobilizadas na retirada das peças históricas. "Pri­meiro tivemos de dragar a terra que cobria parte dos barcos", conta Esmanhoto. "Para erguê-los, tivemos que usar um tanque de 5 mil litros e 60 tambores de 20 litros. Injetamos ar comprimido nesses reservatórios para expulsar a água. Precisamos de uma força de 18 toneladas para levantar as embarcações."

Por seu valor histórico e pelo longo período em que permaneceram submersas sem terem tido a posse reclamada, as embarcações são consideradas patrimônio da União. Esmanhoto passou a ser o fiel depositário dos barcos, que terão seu destino definido pela Marinha e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A Marinha do Brasil, por meio da Delegacia Fluvial de Guaíra, emitiu documento deixando o material sob a custódia do em­­presário. O caso foi transferido para a delegacia de Presidente Epitácio (SP), que vai encaminhar relatório ao Iphan e abrir processo administrativo. Uma comissão integrada por representantes da Marinha e do Iphan deverá vistoriar as peças.

Tenentismo

O tenentismo foi uma revolta de oficiais do Exército, principalmente tenentes (daí o nome do movimento), que lutaram contra as oligarquias que governavam o país durante a República Velha. As origens do movimento remontam à revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922. Também fizeram parte do movimento a Revolta Paulista de 1924, a Comuna de Manaus e a Coluna Prestes. O movimento terminou em 1927, sem atingir seus objetivos.

Além da motivação político-social, o movimento foi impulsionado pela forte insatisfação das Forças Armadas com o regime. O marechal Hermes da Fon­­vseca, maior patente militar da época, havia sido preso por ter exortado os militares a não reprimir uma manifestação popular contra o governo do estado de Pernam­buco. Outro motivo de descontentamento com o governo de Artur Bernardes foi a nomeação do civil Pandiá Ca­­lógeras para o ministério da Guerra.

No Paraná, a campanha te­­nen­­tista durou oito meses, entre 31 de agosto de 1924 e 29 de abril de 1925. Em sua obra De Ca­­tanduvas ao Oiapoque, o jornalista Milton Ivan Heller narra a saga dos tenentistas que combateram no estado. Na época, o Oeste e o Sudoeste paranaenses eram habitados majoritariamente por argentinos e paraguaios, que exploravam recursos naturais como a madeira e a erva-mate, escravizando trabalhadores brasileiros e iniciando o processo de destruição da floresta nativa. A presença brasileira na região praticamente se restringia à colônia militar de Foz do Iguaçu. Regis­­tros oficiais mostram que a língua espanhola era corrente na re­­gião, principalmente a partir de Catanduvas.

Não há dados precisos sobre o número total de adesões, deserções e baixas no confronto entre os rebeldes e as tropas legalistas. Em Catanduvas, principal reduto das forças rebeldes no Paraná, cerca de 50 soldados legalistas estão enterrados em dois cemitérios. A cidade deve inaugurar no ano que vem um memorial do tenentismo.

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