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Política

Em cada ponta da estrela, um outro PT

Grupos ideológicos deverão confrontar posições durante Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores

Curitiba – A disputa interna entre os grupos ideológicos petistas – as chamadas tendências, espécies de "minipartidos" dentro do partido – deverá ter seu clímax no III Congresso Nacional do PT, em julho. O resultado dessa briga trará reflexos profundos no partido e no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em jogo estão a imagem do PT, o programa do governo, a sucessão presidencial e quais estrelas do partido servirão de guia ao segundo mandato de Lula.

De um lado, o poderoso Campo Majoritário, do qual Lula faz parte, uma espécie de coligação de várias chapas internas, considerado o grupo "mais à direita", acusado de vender a alma socialista do PT em troca de poder e de coordenar os escândalos de corrupção do primeiro mandato de Lula, como o mensalão, ou a tentativa de criar um movimento pela anistia de José Dirceu, ex-deputado cassado e ex-ministro da Casa Civil.

De outro, os aglomerados de militantes bem à esquerda, que pregam a necessidade de "refundação" ou de mudanças sérias no partido – e até a extinção desses minipartidos. No centro, há de tudo. Desde o pessoal dos "panos quentes", os sonhadores e até oportunistas que esperam para ver qual será o elo mais forte para se aliar a ele (veja quadro).

Os minipartidos cumpriram a lição de casa e prepararam quatro documentos de conteúdo teórico para discutir no Congresso. O mais comentado é o do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, uma espécie de "livre-atirador" no partido por não participar formalmente de nenhuma tendência. Na prática, no entanto, os objetivos são muito menos ideológicos e bem mais pragmáticos. O principal deles é definir quem manda. Depois, organizar a máquina do partido para permanecer no poder – e ninguém quer estar de fora.

O PT de Lula demonstrou nas últimas eleições sua capacidade de reconstrução. Os abalos com a descoberta dos casos de corrupção enfraqueceram o partido sem impedir a reeleição. E eles, obviamente, querem 2010 e 2014. Como Lula não tem herdeiros, e a tese do terceiro mandato, por enquanto, é apenas uma crítica alarmista da oposição, é preciso costurar um bom aliado para 2010 que garanta uma vitória em 2014. Por isso Lula namora com personagens como o tucano Aécio Neves, que sinaliza sua saída do PSDB caso seu desejo de candidatura à Presidência não seja satisfeito, e com Ciro Gomes, do PSB.

O problema é que as tendências na ponta esquerda da estrela petista atrapalham esse projeto. Elas são mais coerentes no discurso e, portanto, arredias a parcerias estratégicas. Some-se a isso o fato de que, uma vez no poder, o PT não conseguiu manter o discurso socialista. "Quando se está no governo, se governa para diferentes setores, empresários e trabalhadores, e aí começa a mudança. Ninguém ganha eleição quando focaliza um único segmento no discurso da arena eleitoral. Com essa estratégia de ganhar cargos eleitorais, o PT mudou também a estratégia programática do que eles queriam para o país", diz Maria do Socorro Sousa Braga, pesquisadora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo.

Nessa guerra podem ocorrer novamente cisões, como aconteceu, por exemplo, com a "Convergência Socialista", que saiu do PT para fundar o PSTU, ou a dissidência de militantes de outras tendências para a formação do Psol. Isso não é bom para o PT porque Lula não se reelegeu só com a força do Campo Majoritário. "É uma relação de duplo serviço, o PT precisa do Lula e vice-versa. Precisa de instrumentos políticos para levar a campanha até a população, o que não se faz apenas com os publicitários", aponta Roberto Romano, cientista político da Universidade de Campinas.

Purificação

A estratégia do Campo Majoritário para limpar sua imagem e agregar a esquerda do partido será tentar se livrar dos "aloprados" – adjetivo usado pelo presidente ao classificar os petistas envolvidos na compra de um dossiê contra candidatos tucanos nas eleições de 2006 –, e ventilar uma imagem de "purificação" aos demais militantes.

Majoritários tentarão desbancar do Diretório Nacional outros majoritários com a "ficha suja" em âmbito nacional como o atual presidente do partido, deputado federal Ricardo Berzoini, acusado de envolvimento no dossiegate. "Existe um pouco de ansiedade em alguns membros do Campo Majoritário, o que inclui Lula, para que o Berzoini saia o quanto antes e que a idéia de anistia para Dirceu não se consolide para reconquistar uma imagem ética", explica David Fleischer, professor de ciência política na Universidade de Brasília.

A vitória do deputado Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara dos Deputados, apoiado pelo Campo Majoritário apesar de ser da tendência "Movimento PT", avalizou a força do bloco. Mas o fato de parlamentares tanto a oposição quanto dos partidos aliados ao PT terem apresentado mais de 600 emendas na Câmara às medidas provisórias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma verdadeira obstrução à votação do conjunto, demonstra que o partido terá de ceder ainda mais no campo externo que for necessário, principalmente na reforma ministerial para garantir a governabilidade de Lula. Resta saber se as tendências vão engolir mais essa.

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