
Depois são as mulheres que gostam de bater papo... Mas não são elas que figuram nas rodinhas espalhadas no fim da Rua das Flores, em cafeterias e pequenas lanchonetes no quadrilátero entre a Avenida Luiz Xavier, Ermelino de Leão, Travessa Oliveira Belo e Voluntários da Pátria, no Centro de Curitiba. A língua desses senhores bem apessoados foi o que batizou a região, uma das mais famosas da capital: a Boca Maldita. Mas até nisto há controvérsias. De acordo com o médico urologista Júlio Gomel, o nome foi dado por um dos freqüentadores mais assíduos do lugar, Abraão Fucks, por causa de uma boca de lobo na Travessa Oliveira Belo. "Certo dia, incomodado com o cheiro de esgoto, ele bradou mas que boca maldita", conta.
Com ou sem paternidade reconhecida, a Boca é tribuna de manifestações sociais e políticas sejam em campanhas eleitorais ou fora delas e recanto para encontro e bate-papo diários destes senhores. Religiosamente, grupos se reúnem nos mais diversos horários para comentar as notícias do dia, apreciar a paisagem, consertar a administração pública e tomar café. Para a turma de Luiz Moura, 73 anos, o encontro é sagrado. Das 13 às 14 horas, a rodinha soma seus 600 anos, mal contados: Orlando Danielevicth tem 90; Octávio Minozzo, 79; Gilberto Moraes, 84; Atsumu Sugai, 87; Francesco Ignelzi, 78; João Babtista da Cruz, 87 e Luiz Jorge, 81. Reunidos no cantinho da porta da loja de departamentos, ao lado do engraxate Esperidião Alves de Souza, o Baiano, eles soltam o verbo. "Pouca coisa se aproveita. Temos uma conversa completamente improdutiva", brinca Moura. Amigos há mais de 40 anos, o convívio é restrito ao encontro diário na Boca, onde falam mal de políticos, conversam sobre futebol, comportamento, fazem muita piada e brincadeiras, inclusive ou até principalmente com as moças que passam por perto.
O espírito brincalhão, aliás, é a principal característica do grupo. Fica difícil saber o que é verdade no meio de tanta piadinha. "Mentir faz parte", avisa Danielevicth. Às 13h30 em ponto todos se encaminham para uma das lanchonetes dos arredores e logo retornam ao lugar original. Os meninos levam ao pé da letra o lema da Boca Maldita, impresso na placa pregada na parede de um dos antigos cafés do local: não ouço, não falo, não vejo. E dá-lhe café com bobagem.
A irreverência e a característica eclética de seus freqüentadores tem empresário, comerciante, político, advogado, juiz, desempregado, engenheiro, intelectual, artista, médico e tantos mais , dão à Boca a condição de termômetro dos ânimos da cidade. Tudo passa por ali. "São formadores de opinião, que jogam muita conversa fora, mas falam o que pensam. E isso não é pouco", explica Gomel, com mais de 70 anos. Desde os 17 anos, ainda acadêmico da UFPR, Gomel já circulava pelos cafés da Boca Maldita. "Era parada obrigatória. Ninguém passa pela Boca sem parar ou ser alvo da conversa", conta. Mulher não entra mesmo, só no assunto. Pode ser a dos outros ou as que passam pela rua. Não faltam passagens hilárias. O próprio Gomel protagonizou uma delas, segundo Luiz Alfredo Malucelli, o Malu. Um sujeito bem de vida sempre fazia perguntas sobre a saúde dos próprios genitais ao Gomel nas rodinhas de conversa. Cansado das consultas informais e gratuitas, o médico decidiu fazer o exame em praça pública, depois de ser novamente questionado. "O Gomel disse para ele baixar as calças para examiná-lo. Nunca mais!", diverte-se Malu.



