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Arquiteto e urbanista, ex-presidente do Ippuc | Alexandre Mazzo
Arquiteto e urbanista, ex-presidente do Ippuc| Foto: Alexandre Mazzo

O arquiteto e urbanista Luís Henrique Fragomeni, 61 anos, é sobretudo um homem cosmopolita. Sua biografia o confirma. Nasceu no Rio de Janeiro, quase por acidente. Difícil decorar todos os lugares onde viveu – de Brasília ao Rio Grande do Sul, passando pela Escócia e pela Califórnia (Estados Unidos). Os EUA, aliás, são um de seus melhores capítulos.

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Como a década de 1960 corria tanto solta quanto louca, Fra­­gomeni foi um dos muitos que vestiram um jeans surrado e deram um pulo em Woodstock, só para espiar, é claro. "Adoro rock", diz, puxando assunto. Mas sem chance: essa conversa é sobre Curitiba, ele sabe.

De tanto constar nas idas e vindas do seu mapa, a capital do Paraná acabou sendo a sua cidade oficial. E como. Em 2006, o "forasteiro" chegou ao mais curitibano dos postos – tornou-se presidente do Instituto de Pes­­­qui­­­­sa e Planejamento Urbano, o Ippuc, prometendo o que muito se esperava – o retorno da instituição ao posto de "Sorbonne do Juvevê", um apelido de brincadeira que acabou virando verdade. Havia em Fragomeni, afinal, uma combinação perfeita entre o acadêmico – ele é professor de Planejamento e Desenho Urbano na UFPR – e o profissional de car­­­­­­­­­­­­­r­­­eira no mercado.

Durou mais ou menos um ano e "um minuto". O minuto que Fragomeni pediu entre a demissão – por motivos políticos – e o esvaziamento das gavetas. Ele vai muito bem, obrigado: tem as aulas, sua empresa; melhor – figura entre os muitos que podem contribuir para os destinos das cidades e entre os poucos que aceitam fazê-lo sem medo de se indispor com o Ippuc, em torno do qual ainda rondam muitos dos mitos e lendas de Curitiba.

Nada lhe escapa se o assunto é esse – como nas muitas viagens que fez, o arquiteto passa sua fala pelos desalinhos da Linha Verde, pelos descalabros do metrô, pelos absurdos da administração pública que, há de se admitir, deixou de ter um Luiz Henrique Fragomeni em suas fileiras. Por que mesmo?

O senhor foi afastado da presidência do Ippuc em 2007, um ano depois de assumir. Por quê?

O prefeito [Beto Richa] foi muito simpático, disse que eu era competente, "mas vou precisar do seu cargo". Fui indicado por uma pessoa ligada ao governo. En­­­quanto a relação entre PMDB e PSDB perdurou, tudo bem. Quando se rompeu, precisaram do cargo para contentar outra pressão. Acho ruim quando o presidente do Ippuc e diretores têm de ir para a rua fazer política partidária. O prefeito perguntou quanto tempo eu gostaria de ficar. "Nem um minuto". Se o prefeito está dizendo que precisa do meu cargo, aqui está a chave.

Sua criatividade na função foi reprimida em algum momento?

No processo da Linha Verde. A via já estava licitada. As propostas não tinham orçamento, viabilidade. As estações deviam ser uma ponte ligando os dois lados da cidade para o pedestre. A estação estaria em um nível e a travessia do pedestre seria por cima. Colocavam a 116 como um rio. Se é um rio, façam pontes. E elas não podem estar a cada quilômetro. Com esse sistema de semáforos e com a integração, o tráfego não flui. E a Linha Verde Sul foi o desastre que todo mundo está vendo. Se eu fosse Campina Grande do Sul, Colombo, Fa­­­­zenda Rio Grande ou São José dos Pinhais, eu teria processado Curi­­­­tiba. A cidade se apropriou de uma via metropolitana e fez como quis.

Até que ponto interesses privados e lobbys atrapalham?

O Ippuc tem permeabilidade com empresários e incorporadoras. Existem pressões. Até um [interesse] muito notório, apesar de estar no rótulo da Copa, é o que fizeram com o meu time, o Atlético. Existe pressão e o Ippuc tem alguma permeabilidade nesse sentido.

O que pode colocar Curitiba novamente na vanguarda?

Há uma fadiga de material. O prefeito é eleito com uma confederação de partidos, não há visão de longo prazo. Curitiba precisa ter a liberdade de um núcleo pensante. Deu certo antes porque tínhamos um governo autoritário. O governo federal precisava de uma cidade que desse certo. Quem inaugurou o sistema de transporte em 1974 foi o Geisel. Em 1972, o Jaime Lerner quase foi posto para fora quando fechou a Rua XV. Tente agora reunir talentos com um prefeito eleito com uma confederação de partidos...

Curitiba poderia não ter se tornado referência em outro contexto político?

Poderia. Bastaria mudar o governador e ele não se dar bem com o Jaime Lerner. Pode ser mais fácil trabalhar em um regime autoritário, mas a chance de errar é maior. O planejamento só é válido quando há crítica. Curitiba teve sorte e senso de oportunidade. Havia uma ebulição cultural.

O Ippuc foi o propulsor dessa vanguarda. E agora parece amarrado...

As estruturas do Ippuc são muito permeáveis, tanto pelo Le­­­gislativo municipal quanto pelo, partido do governo no momento. Eu não admito um prefeito que passa um ano sem ir ao Ippuc discutir seus planos. E isso ocorreu. O Ippuc tem 400 funcionários, metade está cedida. Levamos seis meses para definir a arquitetura das estações. Não se pode mais perder tempo. Por que em Curitiba tudo é tubo?

E o metrô?

Curitiba passou do tempo de ter um modal mais adequado. Mas tem estações que não têm 800 metros de distância uma da outra. Vão gastar US$ 100 milhões por quilômetro. O ônibus expresso custou quase 10% disso e transporta quase que a mesma coisa. Faltou estudar alternativas. Eu gostaria de ver um estudo do ônibus que eu chamei de tobogã, que nos cruzamentos afunda e sobe. Temos que considerar a região metropolitana, os 3 milhões de habitantes. Há uma centralização de investimentos em Curitiba. O metrô está muito curitibano.

Falando nisso, qual o limite para o petit pavê? [risos]

Quando a comunidade não aceita mais. Do ponto de vista técnico a pedra tem problemas. Para rampas com mais de 2% de inclinação, não é recomendada. As lousinhas de granito também ficam lisas e descolam. Quando você vai recompor uma obra de patrimônio histórico, complementa com material novo, faz o contraste. Isso foi feito na Avenida Iguaçu. Na área histórica deviam aceitar. Se a Torre de Pisa for cair, você vai fazer alguma coisa. [risos]

E a bicicleta?

Curitiba tinha quase 120 quilômetros de ciclovia na década de 80. Aí parou. Não era um projeto de mobilidade. Quem usa a bicicleta integrada ao transporte coletivo tinha que ter uma redução tarifária. A bicicleta vai ser a cultura de alguns grupos, e não só dos mais jovens. Como fazer para que isso tenha um convívio melhor? Suprimindo um pouco o espaço dos automóveis nas laterais. Criar uma calçada compartilhada.

O presidente do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil) disse que o setor pretende trabalhar para ter mais espaços para a verticalização. Qual a sua opinião?

A densificação em si não é um problema. Uma densidade acima de 1,5 mil habitantes por hectare é alta. Mas se eu tenho ociosidade de infraestrutura, água, esgoto, por que não? Curitiba é uma das cidades do país com o maior índice de espigões por habitante. Na Marechal Floriano você pode construir prédios. Na Avenida das Torres, na Wenceslau Brás. Abriram seis novos eixos em Curitiba. Se isso tudo fosse construído, seriam 6 milhões de habitantes. Quem discutiu se isso é interessante? Apostamos na concentração. Curitiba é muito voltada para seu próprio umbigo.

Curitiba queria ser uma Paris, mas virou uma Cingapura? [risos]

Paris tem respeito a gabaritos. Mesmo a Champs-Elysées foi concebida. Há uma grande diferença entre o nosso processo de construção e o do europeu. Aqui primeiro se vende o terreno, nas cidades europeias você compra a construção. Aqui o lote é um valor patrimonial. Nossas cidades são expandidas porque eu quero a terra como um bem de valor. E a extensão das cidades na Europa já prevê tudo. Do ponto de vista do urbanista é menos frustração, você vê o conjunto. Imagine Curitiba com 6 milhões de habitantes, como ficam os rios? Poderíamos medir a poluição se não barrássemos o lixo que sai do Iguaçu. Teria sofá, computador nas cataratas.

E os shoppings?

Está virando uma mesmice, Curitiba não pode ter mais de uma quadra livre que vira shopping. O presídio do Ahú era para virar shopping. Por que não uma praça, dar para a comunidade algo com valores mais nobres? A maneira de conservar o quartel (Shopping Curitiba, na Praça Oswaldo Cruz) foi interessante. Mas vai sair mais um shopping no Batel. A cidade perde o cotidiano de comércio na rua. No Centro está surgindo um comércio de dois por um e fast food nos prédios históricos. Onde o Jaime Lerner errou?

Quando se candidatou a governador. A agilidade que ele tinha como prefeito desapareceu no governo. Errou politicamente. Tem muitos acertos, que sobrepujam os erros. Já fiz críticas, mas muitas coisas não eram do controle dele. E o Requião?

É um tribuno, está no local adequado, o Senado. Tem uma visão tendenciosa para a esquerda, poderia ser mais complacente com o mundo atual. Dava uma carga de cavalaria em cima dos consultores. Vi ele dar de dedo no embaixador do Japão, que queria que o governo privilegiasse empresas japonesas. São reações impetuosas que não agregam. Mas é uma peça importante, é conhecido no Brasil inteiro. Não por corrupção.

O curitibano é um pouco urbanista?

O [jornal] Pasquim tratava Curitiba como a terra do pinguim e do sapo. Mas Curitiba virou o jogo. O curitibano sempre foi zeloso, mas não é muito participativo. A Cândido de Abreu vai mudar: como vai ser? As pessoas discutem, mas ninguém faz um movimento. Os ciclistas estão organizados, os deficientes se organizam, mas é episódico. Ninguém está disposto a pegar uma bandeira.

É verdadeira a rivalidade arquitetos e engenheiros? [risos]

Um embate clássico. A origem é do arquiteto, que desenhou e fez as coisas. O engenheiro depois foi calcular pra ver por que não caía. [risos] São dois lados do cérebro. Feliz é quem junta os dois hemisférios.

A propósito, o senhor viveu Woodstock?

Vivi. Mas estive na periferia. Eu morava ao Norte de São Fran­­­cisco, um colega me disse que ia ter um evento de rock... Eu tinha 18 anos, morava com uma família e pedi permissão para ir. Fo­­­mos de ônibus até o local. Vi de longe e voltei. A semente ficou. Havia uma liberação do peso da tradição sobre os mais jovens. "1968, o ano que não terminou". Para mim, em algumas coisas não terminou. Eu fui um pouco hippie, de gostar da música e do movimento, mas não assumi aquela contemplação. Usava calça boca de sino e bigodão. Usei bigode por 45 anos.

Série Entrevistas | 3:42

O arquiteto e urbanista Luiz Henrique Fragomeni, que nasceu no Rio e correu o mundo, fala sobre a sua relação com a capital paranaense.

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