
A casa da Rua Orlando Batista Mendes, em Calógeras, distrito de Arapoti, no Norte do Paraná, era para ser uma delegacia, mas virou a residência da família Silva. Ela pertence à Secretaria de Segurança Pública do Paraná, mas há dois anos a Polícia Civil a cedeu como moradia para Rosalvo, Célia e os três filhos do casal. Em troca, eles cuidam do imóvel. Desativada há anos, a delegacia já teve outro morador. A família não paga as contas de água e luz nem IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).
Assista ao vídeo da família que mora na delegacia
Nos dois anos em que moram de graça na delegacia, os Silva construíram uma casa na mesma rua. "A gente até esperava pelas contas, mas nunca apareceram", diz Rosalvo. As faturas de água e luz nunca chegaram e Rosalvo não buscou saber os motivos, assim como o delegado lotado desde 2010 em Arapoti, Wellinghton Yugi Daikubara, nunca se preocupou em verificar as condições do imóvel.
Os Silva firmaram um contrato com um antigo delegado de Arapoti e se acomodoram onde ficavam as grades, levadas para outra unidade na região. Fizeram reparos no imóvel e logo se ambientaram na nova residência. Os amigos brincam com o apelido e com a casa de Rosalvo. Cantor sertanejo conhecido por sabiá, ele sorri com a zombaria. "Eles falam que o sabiá está preso na gaiola", diz aos risos. Mas essa gaiola está desgastada.
As paredes estão cheias de rachaduras, a tinta amarela, deteriorada, os vidros, quebrados, a porta, improvisada. A recepção da delegacia virou a sala de estar dos Silva, mas ainda sem luz. A iluminação vem da televisão e da porta aberta. "Quando entrei aqui, estava uma capoeira. As luzes tudo estragadas. Fui arrumando tudo, ajeitando devagar. Tudo não. Ainda ficou faltando algum reparo", explica Rosalvo. Ele estava desempregado quando foi morar na delegacia. Agora, ele e a mulher trabalham numa empresa de reflorestamento em Arapoti.
A simpatia de alguns vizinhos por Rosalvo não diminui a cobrança de outros, seja pela presença dele na delegacia ou pela pouca segurança em Calógeras. "Falta polícia aqui", diz um vizinho. "Eles são gente boa", diz outro. Mesmo Rosalvo tem uma opinião sobre o assunto. "Vou falar a verdade para você. Segurança aqui é pouca", ressalta. Para ele, seria preciso mais policiais para cuidar da segurança das crianças e dos adolescentes na escola em Calógeras. "Há muita briga lá", diz. Célia concorda e também reclama. "Coisa mais rara é você ver um carro da polícia passando aqui."
De acordo com o delegado de Arapoti, Wellinghton Yugi Daikubara, o prédio da delegacia de Calógeras estava sendo depredado na época. Segundo ele, o delegado anterior cedeu a delegacia à família para proteger o patrimônio do estado, após um funcionário da prefeitura de Arapoti interceder pelos Silva. Ele diz que por enquanto não pretende reativar a unidade de Calógeras, por causa da falta de efetivo policial.
Sindicato propõe que sociedade fiscalize o fundo rotativo
O Sindicato dos Investigadores do Paraná (Sipol) propõe que a aplicação do fundo rotativo da Polícia Civil do estado seja fiscalizada pela sociedade civil. Entidades como os conselhos de segurança (Consegs) acompanhariam os repasses das verbas destinadas à manutenção das delegacias. A proposta é uma reação às denúncias apresentadas pela Gazeta do Povo, na série "Polícia Fora da Lei".
Ontem, o Sipol enviou ofício ao deputado estadual Professor Lemos (PT) sugerindo a participação da comunidade na fiscalização do fundo rotativo. O presidente do Sipol, Roberto Ramires, conta que a ideia é que o dinheiro repassado às delegacias seja gerido nos mesmo moldes do fundo destinado às escolas estaduais. "Essa polícia tem de ser moldada para atender aos interesses da sociedade, não de delegados, escrivães e investigadores", diz.
O Sindicato das Classes Policiais Civis (Sinclapol) também se manifestou, apontando que as irregularidades denunciadas pela reportagem são históricas. Segundo o presidente do sindicato, André Gutierrez, o Sinclapol já havia ingressado com uma ação na 4ª Vara da Fazenda Pública denunciando ilegalidades no fundo rotativo. "As denúncias [da Gazeta do Povo] são pertinentes. Entramos com uma ação contra o desvio de finalidade do fundo nas delegacias em 2010", afirma. A ação, segundo ele, tramita em segundo grau.
Vergonha
Segundo Ramires, alguns indícios de irregularidades semelhantes às denunciadas pela reportagem já eram conhecidos por investigadores do estado. "É uma traição da própria chefia para com os subordinados, porque eles não têm as condições mínimas de trabalho. No entanto, o governo tem disponibilizado os recursos", afirma.
O presidente do Sipol classifica como "vergonhosos" os casos de delegacias que estão fechadas, mas que continuam a receber repasses do fundo rotativo, enquanto 205 cidades paranaenses não têm nenhum policial civil e trabalham sem infraestrutura. "O mais lamentável é que isso estoura na população pobre, que paga os impostos e que está, em alguns municípios, excluída dos serviços da Polícia Civil. Só entram para pagar a conta", observa.
VIDA E CIDADANIA | 3:58
Os habitantes de Calógeras (distrito de Arapoti) não contam há muito tempo com a Polícia Civil, porque a delegacia vem sendo usada como moradia. Há dois anos, Rosalvo e Célia Silva moram com os três filhos na unidade. Havia outra família antes deles.




