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Família briga pelo dinheiro

Distante das discussões sobre a moralidade do auxílio-reclusão, famílias beneficiadas brigam pelo dinheiro. Um exemplo é a luta travada por Maria (nome fictício), 37 anos, com a sua sogra. Três meses depois de ter o companheiro preso, acusado de ter participado de um latrocínio (roubo seguido de morte), Maria ficou sabendo da existência do benefício. Foi atrás e passou a receber o dinheiro. "Um ano antes do crime, ele tinha trabalhado em uma empresa. Levei a carteira de trabalho dele e os documentos e consegui o benefício", conta.

De acordo com ela, o primeiro destino do dinheiro foi em benefício do companheiro preso. "Nós não tínhamos recursos para pagar advogado, e advogado do estado é complicado. Usei todo o dinheiro para pagar advogado. Eram R$ 543 por mês", conta. Depois de um ano e meio, a sogra resolveu intervir e Maria deixou de receber o benefício. "Como ele tem outros dois filhos com a primeira mulher, a minha sogra passou a receber o dinheiro e a dividir. Não sei como é feita a divisão. Sei que recebo R$ 135 por mês agora", conta.

Mesmo com o valor reduzido, Maria não reclama e comemora o benefício recebido. "Quando ele estava solto não ajudava em nada. Passamos um tempo separados e ele nunca pagou pensão. Agora, preso, é a primeira vez que recebo ajuda. Com o dinheiro pago aluguel e compro coisas para o meu filho", afirma. (TC)

Quem tem direito

Cada preso gera apenas um benefício a ser pago a um dos dois seguintes grupos:

Esposa (o) ou companheira (o), filhos menores de 21 anos ou inválidos

Pais ou irmãos não emancipados, ou menores de 21 anos, ou inválidos

Regras

Benefício é devido à família do segurado que estiver preso em regime fechado ou semiaberto

Se fugir, perde o direito

Se trabalhar dentro da penitenciária, não perde o direito

Se o preso morrer, o benefício pode ser convertido em pensão por morte

Para que a família tenha direito a receber o benefício, o preso não pode estar recebendo remuneração de empresa, auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço

O último salário contribuição do segurado não pode ultrapassar R$ 798,30

Benefício pode ser pedido tanto por companheiro heterossexual, como homossexual

De três em três meses, a família deve comprovar que o contribuinte continua preso por meio do atestado de recolhimento de segurado à prisão

Como pedir

O benefício poderá ser solicitado por meio de agendamento prévio, pelo portal da Previdência na internet (www.previdenciasocial.gov.br), pelo telefone 135 ou nas agências da Previdência Social

Um e-mail que circula pela internet dá conta do absurdo: o Brasil dá uma "bolsa-marginal" ao criminoso preso que tiver filhos. "Bandido com cinco filhos, além de comer e beber nas costas de quem trabalha, e comandar o crime de dentro das prisões, ainda recebe auxílio de R$ 3.763,55", informa o texto. Quase na velocidade da luz, a "notícia" se espalhou pelo mundo cibernético e não tardou para que as críticas aparecessem. A verdade é que tal benefício, o chamado auxílio-reclusão, existe, sim – desde 1991. Mas não funciona bem assim. E mais: tem o aval dos especialistas.

Para começo de conversa, a família do preso só tem direito a receber o benefício se for cumprida uma série de exigências. A principal é que o preso do regime fechado ou semiaberto se enquadre dentro da chamada "qualidade de segurado" e tenha contribuído, pelo menos uma vez, com a Previdência nos últimos 12 meses (em algumas situações admite-se que o período seja de 24 meses). Outra regra: o número de filhos não importa para o pagamento do benefício, como deixa a entender o e-mail divulgado na internet, e tampouco os valores chegam ao citado na mensagem.

De acordo com a chefe do serviço de reconhecimento de direitos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em Curitiba, Luciana Ukachinski, os valores dos benefícios giram entre R$ 500 e R$ 600. A lei prevê um teto de R$ 798,30 – o último salário do contribuinte não pode ultrapassar esse valor, senão ele perde o direito. Para calcular o valor do benefício, pega-se 80% dos maiores salários desde julho de 1994 e se faz uma média aritmética. "Pode acontecer de um benefício ou outro ultrapassar um pouco o teto porque o cálculo é feito assim. Mas isso é raríssimo e, quando ultrapassa, é por pouco", diz Luciana.

No Paraná, hoje, são pagos 2.703 benefícios, 603 só em Curitiba. Em todo o estado, há 37,4 mil presos. Isso significa que, na prática, apenas 7,3% dos presos têm direito de ter a sua família assistida pelo benefício do auxílio-reclusão – bem distante do quadro pintado no e-mail. De acordo com o texto que circula na internet, o "bolsa-marginal" estaria fazendo com que os criminosos preferissem ficar presos para ter direito ao benefício.

Famílias

Mesmo alcançando um universo pequeno de detentos, os especialistas defendem a importância do auxílio-reclusão no sustento das famílias que tiveram o provedor da casa recluso. "O conceito de Previdência Social é o de justamente garantir uma renda para o assegurado ou sua família no momento em que ele não pode prover esse sustento", explica Lu­­cia­­na. "É responsabilidade social. Se o chefe de família é confinado, por coerção, o Estado tem de ga­­rantir um mínimo de sobrevivência para a família", concorda a pro­­motora de Justiça do Centro de Apoio Operacional das Promoto­­rias Criminais, do Júri e de Exe­­cuções Penais, Maria Es­­peria Cos­­ta Moura, que chegou a enviar um ofício ao procurador chefe do INSS, em fevereiro, para pedir es­­clarecimentos sobre o pagamento desses benefícios, depois que viu o e-mail circular na internet.

Luciana considera que o auxílio-reclusão, apesar das críticas, tem um caráter social importante. "O segurado, normalmente, vem de uma classe social mais baixa. Es­­posa e filhos amparados não vão para a marginalidade ou cri­­mi­­nalidade por falta de dinheiro", opina. "O intuito so­­cial é muito bo­nito: abastecer a família daquilo de que ela foi privada e que mantinha as suas condições de sobrevivência. A família não é culpada e dependia da pessoa que foi presa", concorda a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Melissa Folmann.

Melissa acredita, porém, que podem ocorrer desvios e distorções. "Como o auxílio-reclusão não tem carência, às vezes a pessoa nunca pagou previdência e, quando sabe que está para ser presa, vai lá e paga só para ter direito ao benefício", comenta a advogada.

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