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Depois de despejado da ocupação no Fazendinha, grupo de sem-teto denunciou à Câmara de Vereadores o uso eleitoral e a participação dos proprietários na invasão do terreno | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Depois de despejado da ocupação no Fazendinha, grupo de sem-teto denunciou à Câmara de Vereadores o uso eleitoral e a participação dos proprietários na invasão do terreno| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Fila da Cohab seria incentivo ao movimento de sem-teto

Não são poucas as críticas à infindável fila da Cohab, uma das justificativas para que os sem-teto se metam em ocupações irregulares. "Não dá para aceitar uma espera de 10, 15, 20 anos na fila por uma casa", diz o vereador Pedro Paulo (PT). A Cohab diz que a fila cresceu porque a população acredita nas ações desenvolvidas pelo setor público na habitação. Dos 60 mil inscritos, metade é composta de pessoas solteiras e metade de famílias, que respondem por 70% dos atendimentos.

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"Era só fazer uma proposta", diz mulher que comprou 2 lotes

A maioria dos sem-teto que ocuparam a área particular no Fazendinha estava em busca de um lugar para morar, mas entre eles se infiltraram os especuladores de ocasião. As negociações aconteciam a todo momento. No início, os lotes custavam de R$ 500, valorizando-se com o passar dos dias, chegando a R$ 5 mil. Joana (nome fictício) tem casa própria e pagou R$ 1 mil por dois terrenos. Nessa entrevista à Gazeta do Povo, ela fala como acontecia esse comércio clandestino.

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  • Veja o mapa das invasões em Curitiba

Uma legião de excluídos redesenhou nas últimas cinco décadas a geografia nos subúrbios de Curitiba e região metropolitana. Ocuparam terras públicas ou particulares e criaram seus peculiares conjuntos residenciais à revelia das normas legais e urbanísticas. Hoje, um entre dez curitibanos vive nas 258 áreas irregulares que ocupam 2,85% do território do município, grande parte de preservação ambiental. Esses bolsões de subabitação surgiram da ação de três personagens, cada um com seus interesses: o especulador, que tira vantagem política ou econômica das invasões; o trapaceiro ocasional, que nessa hora encontra a oportunidade de faturar vendendo lotes, e os sem-teto, uma maioria de necessitados em busca de um pedaço de chão.

Os três se cruzaram no início de setembro na invasão de uma área particular no bairro Fazendinha, desocupada em 23 de outubro. Mais do que a falta de moradia, o episódio revelou os interesses escusos por trás das ocupações irregulares. Nesta semana, famílias despejadas denunciaram à Comissão de Segurança da Câmara Municipal candidatos a vereador como mentores da invasão. Outros políticos já haviam sido arrolados na manipulação de sem-teto em Curitiba. No ano passado, a CPI da Invasão da Câmara já havia citado o presidente municipal do PMDB, Doático Santos, e mais dois assessores do governo do estado pelo apoio a esse tipo de ação.

A reportagem procurou Caco Almeida, candidato a vereador pelo PSB apontado como incentivador da invasão. Ele preferiu não comentar o assunto e designou a advogada como porta-voz. Segundo ela, que não quis se identificar por questões de segurança, as denúncias não combinam com o caráter de Almeida e que, para a empresa, a área verde era uma das partes mais relevantes do terreno. Contudo, a acusação parte de quem esteve no núcleo das ações.

O pedreiro José Maria Alves Coelho, um dos primeiros integrantes da invasão no Fazendinha, explica que a ação foi organizada por "funcionários" de Caco Almeida, ao lado de outros nomes corriqueiros nas invasões (Leila, Milton, Ivo e Adão), contando com a colaboração de um caseiro do terreno. Uma semana após o início da invasão, Almeida teria aparecido nas imediações da área e declarado aos sem-teto que a terra "não tinha documentação e era bom que fosse invadida". A notícia correu a cidade.

"Como teve a participação dos próprios caseiros e de mais esse pessoal já experiente em invasões, o pensamento era de que seria um terreno fácil de ganhar", diz Coelho. O despejo trouxe uma triste constatação: "Foi um complô legal para que a área fosse desmatada e ganhasse valor imobiliário", diz. Um corretor de imóveis consultado pela Gazeta do Povo esclarece que o desmatamento não costuma valorizar os terrenos porque a prefeitura é rigorosa na manutenção das áreas verdes. Porém, não descarta a possibilidade de retirada da vegetação buscando valorização comercial. A Varuna Empreendimentos Imobiliários, dona do imóvel, nega a hipótese e afirma ter tomado todas as providências possíveis para evitar o crime ambiental.

Venda de lotes

Especuladores de menor poder financeiro também "investiram" na ocupação. Antônio, que prefere não revelar o nome verdadeiro, soube de uma pessoa que se apoderou de uma quadra no terreno. Por se tratar de uma área grande e bem localizada, comprou um dos lotes por R$ 700 no início de setembro. Antônio pretendia aguardar a regularização do terreno para garantir mais uma residência, pois tem casa própria no Fazendinha, mas as informações da possibilidade de reintegração de posse o levaram a revendê-lo por R$ 4,8 mil. Um ganho fácil de R$ 4,1 mil em menos de um mês.

A especulação imobiliária é feita por quem também já foi sem-teto um dia. Ao cruzar os nomes do cadastro de invasores feito pela 19ª Vara Cível, que mais tarde concederia a reintegração de posse à proprietária do imóvel, a Cohab constatou que 48 deles já haviam recebido lote, casa, apartamento ou a regularização fundiária, ou seja, ganharam o título de posse da área que ocupavam. A maioria morava em vilas e bairros próximos. Uma casa popular como a que receberam vale entre R$ 40 mil e R$ 55 mil, os apartamentos oscilam entre R$ 43 mil e R$ 52 mil e os lotes giram em torno de R$ 25 mil.

Assessor jurídico da organização não-governamental Terra de Direitos, Vinicius Gessolo de Oliveira considera o cadastro social e a análise individual de cada família fundamental para evitar esse tipo de especulação. Para ele, a política habitacional de Curitiba se baseia na segregação. Os moradores de classes mais baixas são levados para áreas distantes da região central, onde a falta de estrutura impossibilita a permanência. Por isso, avalia o advogado, ocorrem as vendas de imóveis financiados pela Cohab.

Uma dessas regiões carentes de estrutura é o Tatuquara, para onde estão sendo levadas famílias retiradas de outras áreas de risco. "O Tatuquara se tornou uma espécie de campo de concentração", diz Oliveira. Ele define essa medida como uma espécie de apartheid curitibano. "A pessoa não tem o mínimo de condição de trabalho e de acesso à cidade. Por isso, o risco da violência social cresce cada vez mais", explica. Para Oliveira, não se pode transformar a exceção em regra e afirmar que a maioria dos moradores de ocupação já foi beneficiada pela Cohab. "Foram 48 pessoas no meio de 1.500", observa.

Para a professora-doutora Gislene Pereira, pesquisadora do Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná, o caso reflete a falência do sistema de regularização adotado pela Cohab, que dá a moradia mas não cria condições de permanência, como infra-estrutura e empregos. Assim, a administração pública trabalha nas conseqüências e não nas causas do problema. Ou seja, a Cohab tem programas para regularizar áreas ocupadas, mas não um plano de habitação que faça frente à demanda por moradia popular.

A Companhia, por sua vez, alega ter o maior programa habitacional dos últimos 20 anos. "Ao todo, os investimentos em habitação da atual administração municipal ultrapassam R$ 400 milhões até o final deste ano", diz o presidente da Cohab, Mounir Chaowiche. Do montante, R$ 161,5 milhões seriam de recursos próprios e R$ 262,5 milhões de contratos com órgãos federais. A bancada de oposição na Câmara Municipal contesta essa proporção. Segundo o vereador Pedro Paulo (PT), a proposta orçamentária para o setor em 2009 revela investimentos de R$ 13,5 milhões da prefeitura e R$ 76,5 milhões de programas do governo federal.

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