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“Eu estava sendo atendido por psicólogos quando estava preso, e quando saí me preocupei muito com o trabalho, com a minha sobrevivência e deixei de lado a questão psicológica. Achava que estava pronto para seguir a vida, mas não estava.” | Albari Rosa/Gazeta do Povo
“Eu estava sendo atendido por psicólogos quando estava preso, e quando saí me preocupei muito com o trabalho, com a minha sobrevivência e deixei de lado a questão psicológica. Achava que estava pronto para seguir a vida, mas não estava.”| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O criminoso está perto

O perigo pode estar mais perto do que se imagina. Os estudos e a experiência dos profissionais da área mostram que o pedófilo é, geralmente, uma pessoa que aparenta ser confiável. A orientação para proteger os filhos é ficar atento aos sinais e tomar algumas precauções.

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Cabelos brancos, olhos de um azul intenso e expressão serena. Essa é a descrição do preso 14.981 do Centro de Triagem 2, em Piraquara, região metropolitana de Curitiba. Jorge Luiz Pedroso Cunha é um dos 12 homens da cela X, todos sob acusação de pedofilia. Cunha está preso por molestar um menino de pouco mais de 4 anos, no balneário de Santa Terezinha, litoral do Paraná. Com mandado de segurança expedido desde 2007 pelo crime de abuso sexual, pela Comarca de Matinhos, o desenhista foi encontrado em Itajaí (SC).

Trabalhava como coordenador de um albergue para moradores de rua e dependentes químicos. A prisão se deu com a divulgação do seu retrato falado como principal suspeito da morte de Rachel Genofre, 9 anos, em novembro do ano passado. Testes de DNA comprovaram a inocência de Cunha. Mas sua extensa ficha criminal contém casos de estupro, homicídio, pedofilia, atentado violento ao pudor, falsificação de documentos e falsidade ideológica. Beneficiado por um indulto, cumpriu 16 anos de uma pena de 18 anos pela morte de um garoto, em 1986, na Vila Oficinas, em Curitiba. Depois do abuso sexual, estrangulou a criança e abandonou o corpo perto da linha do trem.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Cunha falou sobre a sua vida, sobre os crimes que cometeu e o que o pensa sobre a pedofilia. É casado e tem dois filhos, a mais nova, uma menina de pouco mais de 1 ano de idade. Artista plástico, tem um painel com cenas religiosas na Igreja do Perpétuo Socorro, no Alto da Rua XV. Tinha obras pintadas também nas paredes do antigo prédio do presídio do Ahú.

Diz ter tido uma infância normal, família de classe média baixa, casa própria. Foi preso pela primeira vez em 1976, meses depois da morte do pai, funcionário do estado. A mãe, do lar, já havia morrido em 1973. Estudou mecânica em escola técnica, mas abandonou o curso por causa da bebida.

Normalmente quem abusa, já foi abusado. Ocorreu isso?

Já me fizeram essa pergunta, mas nunca fui abusado.

Quando foi a sua primeira vez e o que o levou ao abuso infantil?

Quase todas as vezes nunca cometi o abuso sexual em si. Não vou mentir que cometi constrangimento, ato libidinoso, o assédio de crianças, mas o ato em si, não. Já fui taxado no artigo 213 [estupro] várias vezes, mas nunca aconteceu. Pela situação que estava me colocando no momento, tive de assinar. Você não pode dizer que não, quando dez pessoas estão dizendo que foi.

O senhor usa drogas?

Não, só álcool. Desde os 17, 18 anos.

Qual foi a primeira vez que o senhor abusou de uma criança?

(fica confuso) Foi ....foi em Guaratuba, acho... não lembro a data, o ano (olha para as mãos e começa a contar nos dedos), 1975, 1976 e era uma menina, não sei que idade, era pequena. Só soube depois que me falaram. Não lembro mais. Eu trabalhava com pintura, serigrafia.

O senhor lembra o que aconteceu?

Eu estava bêbado. Os outros casos foram parecidos. O primeiro caso, o de Blumenau (ainda confuso sobre o local da primeira vez), estava passando na rua, só de calção, bem alcoolizado. Abordei a menina e levei ela pro lado. Eu convidei, não foi forçada – em nenhuma vez eu usei a força, tortura, ameaça, nada. Houve o constrangimento pelo fato de ficar comigo.

E o crime pelo qual o senhor cumpriu pena, do menino Damian, de Pinhais?

Ele morreu nas minhas mãos, infelizmente. Foi do mesmo jeito. Encontrei na rua. Era de tardezinha, quase anoitecendo. Estava totalmente bêbado. Eu vi e o convidei também para ir para casa.

Como foi o convite?

Chamei para ir até o carro. Tinha casos que eu oferecia balas, doces. Não sei se um dia vou poder fazer algo para ajudar a sociedade, usar meu conhecimento, dos cuidados que a família tem de ter, porque eu sei os cuidados, as facilidades. Não vamos pôr as crianças em um quarto fechado, mas os pais têm de dar atenção. Creio que esse tipo de crime ocorra para alertar a sociedade.

No caso do menino da praia, o que aconteceu realmente?

Foi no caminho da casa do avô do menino. Estão me levando a julgamento por um delito que não cometi. No prazo de meia hora, uma hora que o menino ficou longe da família, não teve cárcere privado porque a casa não tem janela, é tudo aberto, não houve agressão física nem tortura. A criança não chorou, não berrou.

O senhor se arrepende?

Totalmente. Pelos casos condenados e por aqueles que não fui condenado.

Qual o conselho que o senhor dá para pessoas que tenham o mesmo perfil?

É difícil... Não sei o que passa na cabeça de outra pessoa. Não sei o que passa na mente das outras pessoas, dos que atacam crianças. Eu sei o que passa na minha, depois das reflexões, os poucos valores que tenho ainda.

Quais valores acha que perdeu?

Pessoal e profissional, principalmente a moral, apesar de nunca ter sofrido violência. Eu creio que possa me reabilitar, não sei aonde, nem quando. Mas tenho esperança. Eu estava sendo atendido por psicólogos quando estava preso, e quando saí me preocupei muito com o trabalho, com a minha sobrevivência e deixei de lado a questão psicológica. Parei de ter acompanhamento, parei de me cuidar. Achava que estava pronto para seguir a vida, mas não estava.

Se tivesse tido acompanhamento psicológico esses homens não fariam isso contra crianças?

O cara quer sair da cadeia de qualquer jeito, mas hoje penso que não adianta sair daqui sem um apoio, um atendimento psicológico, psiquiátrico.

Pelas suas conversas com outros pedófilos, durante todos esses anos preso, o perfil é parecido?

Conversei, mas o tipo de pensar não sei. Esse tipo de assunto a gente não comenta. Essas pessoas não perguntam, não fazem brincadeira, não perguntam do processo. Se for amigo, dá para pedir ajuda, pode dar uma luz, mas perguntar até o ponto de tocar no íntimo da pessoa, não. Geralmente eles dizem que não fizeram. Não sei se estou sendo o único a confessar, mas a maior parte diz que não, por medo de repressão.

O senhor tem um prazo entre um ataque e outro?

Não é nada planejado. É por acaso.

E por quê crianças?

Agora também quero perguntar para quem entende do assunto. Não sei. Por isso é que deveria ter um tratamento psiquiátrico, psicológico, para saber do porquê de atacar crianças.

A única criança que o senhor matou foi o menino de Pinhais (na realidade o crime foi cometido na Vila Oficinas, em Curitiba)?

Sim. Mas eu não lembro. Eu saí correndo de lá depois de ver o menino de bruços.

Por que o senhor o esfaqueou? Ele não fez o que o senhor queria?

Não sei, já tentei lembrar. Não sei o porquê daquela atitude. Depois que vi a foto no jornal, ele de bruços, não acreditei. Eu saí correndo de lá. Senti toda aquela emoção do momento, e quando vi sangue, saí correndo.

O senhor chorava?

Naquele dia eu chorei. Chorei pela perda, não minha, mas por eu ser o causador da tragédia. A família perde mais do que eu. A sociedade toda perde.

O senhor cai em si em que momento depois do abuso infantil?

Quase de imediato.

Era uma necessidade?

Não, sempre tive um relacionamento normal. Não sei dizer. Uma manifestação do álcool. Essa parte do álcool, eu não sei por que, me despertava essa vontade.

O que o senhor fazia?

Era só atentado ao pudor. Mexia na criança. Na época, não tinha preferência, o que passava na rua, nunca escolhi nada, nunca premeditei: "Hoje vou pegar uma menina".

Além de tocar na criança, o senhor queria ser tocado?

Não (constrangido). Era só tocar.

O senhor tinha prazer?

Era a masturbação. A masturbação que me alimentou todas as vezes que aconteceu. Eu creio que algo relacionado com o meu ego, para me sustentar. Não tem possibilidade de haver alguma coisa com uma criança. Olha o meu tamanho!

O senhor se submeteria a castração química?

Minha necessidade não é do ato sexual para haver a castração. É o psicológico, o psiquiátrico, motivado pelo álcool.

Confirma seu envolvimento no caso do menino da praia (motivo pelo qual está preso agora)?

Sim. Não sei qual o teor da acusação. Conforme o escrivão, é grave, mas não como se fosse um estupro. Baseado nisso, pelo o que conheço de leis, não vai ser muito. Não importa se for um ano, dois anos, eu tenho de sair bem.

Se o senhor tivesse netos, teria medo de que acontecesse com eles o que fez com outras crianças?

Eu já dei uma aula para eles [filho e sobrinhos], o que se deve ou não fazer. Meu cunhado era policial, então são pessoas bem esclarecidas. Moravam em bairros [periferia], são diferentes de quem mora na cidade. Lá você sabe da malandragem, da droga, do ladrão.

O senhor acredita que esses crimes acontecem porque os pais dão brecha?

Também. É uma série de coisas. Tem de ter cuidado, desde a diretora da escola, dos pais e vizinhos. Tem de ter um olhar atento. Em um minuto, periga a criança estar morta ou ser atacada. Eu sempre fiz abordagens, nunca arrastei. Tem de cuidar todos os dias, 24 horas por dia. Eu tenho alguns conselhos para dar aos pais.

Que conselho o senhor daria?

Anh! A proximidade com a criança, em qualquer momento, em parque de diversão, em igreja, na saída da escola. Tem de mobilizar os vizinhos, se o pai não pode buscar a criança. A noite facilita. Evitar soltar a criança à noite até para comprar um pão na esquina. Esses são os tipos de situações que ajudam.

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