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Greca x Bettega

Ex-prefeito de Curitiba processa vereador que denunciou gastos com peças eróticas

O vereador João Bettega (União) reuniu documentos que mostram a contratação de empresa de teatro adulto pela prefeitura de Curitiba
O vereador João Bettega (União) reuniu documentos que confirmam contratação de empresa de teatro adulto pela prefeitura de Curitiba (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC e Reprodução/Redes Sociais João Bettega)

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O ex-prefeito de Curitiba Rafael Greca entrou com um processo contra um vereador da cidade por calúnia e sugeriu a cassação dele. As ações ocorreram após o vereador João Bettega (União) denunciar o apoio da Fundação Cultural da cidade a apresentações de teor sexual, como a de um indivíduo rastejando de calcinha de couro pela Rua XV de Novembro.

A performance ocorreu em setembro de 2024, durante a Bienal Internacional do Cabaret realizada em Curitiba, mas só foi confirmada recentemente, quando o vereador obteve acesso a editais e contratos que comprovam o incentivo público.

De acordo com o vereador, a Bienal custou R$ 158.400,00 e uma das apresentações anunciadas pelos organizadores (imagem abaixo) foi do indivíduo de calcinha percorrendo as ruas centrais da cidade. “Isso é tão bizarro que fica até difícil acreditar”, afirmou Bettega.

Pelas redes sociais, ele apresentou imagens da performance citada e de outros espetáculos adultos que a companhia artística responsável pela Bienal também teria realizado com apoio da prefeitura de Curitiba. As cenas não serão descritas aqui em respeito aos leitores.

O primeiro vídeo publicado pelo vereador foi retirado do ar pelo Instagram devido ao conteúdo sexual, e o parlamentar repostou a denúncia com imagens desfocadas. “Na minha opinião, é crime andar na rua quase pelado com crianças passando”, pontuou, ao explicar que a apresentação ocorreu no horário de saída escolar.

Ainda segundo ele, o grupo teatral que realizou a Bienal Internacional do Cabaret é conhecido por performances que envolvem nudez e conteúdo de cunho sexual e já recebeu aplausos na Câmara Municipal de Curitiba — por iniciativa de uma vereadora do Partido dos Trabalhadores (PT) — devido ao trabalho realizado.

“Embora o direito à liberdade de expressão artística seja inquestionável, é igualmente importante considerar o direito dos cidadãos de não serem expostos, sem consentimento, a conteúdos que possam ofender seus valores ou crenças pessoais”, argumenta, caracterizando como “inapropriado que manifestações desse teor sejam realizadas com o uso de recursos públicos”.

Prefeitura afirma que peças foram financiadas por empresas

Em nota, a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) informa que a performance na Rua XV mencionada pelo vereador “não foi financiada com recursos da prefeitura”. De acordo com a instituição — que é responsável pelas políticas públicas de cultura na cidade —, embora a peça apareça em materiais de divulgação da Bienal Internacional de Cabaret, ela não faria parte da programação.

A FCC confirma, no entanto, que as demais atrações do evento foram patrocinadas por meio do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura (PAIC). Nessa iniciativa do poder público, empresas recebem redução ou isenção no valor dos impostos em troca de patrocínio a ações culturais.

Ainda segundo a prefeitura, o processo para escolha dos projetos contemplados segue regras estabelecidas pela Lei Municipal 57/2005, e “a decisão de investir em peças como essa cabe às próprias empresas”.

Empresas dizem que projetos foram aprovados pela FCC

Em nota, a Bosch — uma das patrocinadoras citadas na divulgação da Bienal Internacional do Cabaret — afirma que apoiou projetos culturais de Curitiba que “foram previamente aprovados pela curadoria da Fundação Cultural de Curitiba” e que, no descritivo das propostas, não havia “menção a detalhes de cenas e atuações específicas dos seus artistas”.

A empresa Sigma Telecom, que também é citada como financiadora do evento, reitera a informação, ao garantir que não teve acesso a detalhes das performances patrocinadas. Segundo a companhia de tecnologia, “os recursos destinados ao apoio à cultura são captados por profissionais terceirizados, após curadoria e seleção dos projetos inscritos pelos órgãos competentes”.

Para o vereador João Bettega, a isenção de impostos evidencia que a cidade permite que valores deixem de ser recolhidos e aplicados em saúde e educação, por exemplo, para incentivar a cultura na capital.

Por isso, ele defende que a escolha dos projetos siga requisitos como a proibição de manifestações de nudez ou apresentações de cunho sexual em logradouros públicos. Uma proposta de lei com essa finalidade (PL 005.00042.2025) foi protocolada pelo vereador nas últimas semanas e segue em tramitação na CMC.

Ex-prefeito nega denúncias e sugere a cassação do vereador

Após o vereador Bettega divulgar as informações e documentos referentes a apresentações eróticas com apoio do poder público, o ex-prefeito Rafael Greca abriu um processo na justiça contra o parlamentar. Ele também encaminhou à presidência da Câmara uma representação sugerindo cassação do mandato do vereador.

Nos documentos, os advogados que representam Greca — Luis Gustavo Janiszewski e Alexandre Jarschel de Oliveira — afirmam que o vereador usou a imagem do ex-prefeito no vídeo das denúncias e sugeriu “direcionamento ilegal de verba pública”. No entanto, “nunca houve financiamento municipal”, afirmam.

Segundo a representação encaminhada pelo ex-prefeito à Câmara, Bettega “propaga fake news”, ferindo o decoro parlamentar por meio de sensacionalismo e possíveis crimes contra a honra.

“A Câmara pode cassar o mandato de vereador quando este proceder de modo incompatível com a dignidade ou decoro parlamentar”, aponta o documento. “Afinal, sair atacando a arte popular — por mais questionável que seja — não parece ser a função de um vereador”, continua.

Corregedoria da Câmara analisa dois pedidos de cassação

Segundo a defesa de Bettega, esse é o segundo pedido de cassação apresentado pelo ex-prefeito contra o vereador, já que Greca também teria encaminhado outra representação à Câmara este ano devido a denúncias feitas pelo parlamentar. O primeiro caso envolve atendimento psiquiátrico oferecido na cidade.

De acordo com o advogado Murilo de Deus, o presidente da Câmara já encaminhou as representações à Corregedoria da CMC, que analisa os pedidos. “O processo está em tramitação, mas ainda não fomos procurados para que seja efetuada defesa”, informa.

Já no processo judicial de calúnia aberto pelo ex-prefeito, Bettega deve apresentar esta semana explicações referentes à denúncia feita em suas redes sociais. Segundo o advogado, serão citados documentos como o edital 210/2023 e contrato de financiamento pelo Programa de Apoio e Incentivo à Cultura (PAIC) no valor de R$ 158.400,00.

João Bettega classifica os processos como “tentativa de censura”

Para o vereador, as ações são “uma clara tentativa de censura e intimidação” para cercear a função fiscalizadora do Poder Legislativo. “É inaceitável que, em vez de esclarecer a população sobre os critérios para o financiamento desses espetáculos, o ex-prefeito opte por acionar a Justiça como forma de intimidação”, disse, pontuando que o curitibano “tem direito de saber como seu dinheiro está sendo utilizado”.

Ainda de acordo com Bettega, é fundamental que os valores pagos pelo contribuinte sejam aplicados com responsabilidade e em conformidade com os valores e interesses da sociedade. “Questionar o uso desses recursos é um dever de qualquer vereador.”

A Gazeta do Povo tentou contato com a companhia artística responsável pelas performances, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

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