
A descoberta da camada pré-sal no litoral brasileiro é, sem dúvida, um marco para a economia do país. Estimativas apontam que toda a camada pode abrigar cerca de 80 bilhões de barris de petróleo em reservas, o que colocaria o Brasil entre os dez maiores produtores do mundo.Entretanto pouco tem se falado sobre qual será o impacto dessa exploração para o meio ambiente. O uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, é um dos grandes responsáveis pelo aquecimento global. O mecanismo de extração de óleo por si só já causa muitos prejuízos. O fundo do mar conta com uma grande concentração de gás carbônico que será transferida para superfície com a exploração da área. Parece contraditório investir em um processo que traz tantos danos ambientais em uma época em que se fala tanto de desenvolvimento sustentável e o uso de fontes de energias limpas, como o biocombustível, umas das grandes bandeiras do atual governo.
As gigantescas reservas mundiais de petróleo ultraprofundo e os desafios ambientais decorrentes de sua transferência para a superfície será o tema de uma das palestras ministradas pelo geólogo Jules Soto, professor da Univali e especialista em ecossistemas marinhos, durante o 6.º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, que acontece na semana que vem em Curitiba (veja programação).
O professor Soto é geógrafo doutorando em Zoologia Marinha e fundador e curador geral do Museu Oceanográfico Univali (Movi) e do Ecomuseu Univali (Ecou), ambos da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Também é membro de diversas sociedades científicas e autor de mais de 300 publicações técnicas no Brasil e exterior, a maior parte voltada para os ecossistemas marinhos.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Soto lembra que, embora o Brasil tenha muito a ganhar com a produção de petróleo, terá de enfrentar perdas ambientais imensuráveis com a exploração em larga escala da camada pré-sal.
De que forma a exploração da camada pré-sal pode ser prejudicial ao meio ambiente?
De imediato, o processo de exploração poderá abafar o nosso comprometimento com a busca e o aprimoramento de energias alternativas, que dependem inteiramente de alta tecnologia. Essa nova realidade influenciará as mais variadas esferas, mas, principalmente, a cabeça de nossos representantes políticos.
No decorrer da exploração, o principal problema que enfrentaremos será a transferência do monóxido de carbono retido na camada pré-sal por milhões de anos, em escala geológica, para a superfície. O que significa uma grande quantidade de carbono principal responsável pelo aquecimento global liberada na atmosfera em poucas décadas.
Além disso, os ecossistemas marinhos, em diversos locais, estarão em maior risco. A poluição gerada pela exploração do petróleo gera prejuízos à biodiversidade marítima, à pesca e ao turismo.
Certamente estas questões são bem maiores do que qualquer derrame massivo ou crônico no processo de exploração, causada pelas empresas petrolíferas.
Você afirma que os custos da exploração são imensuráveis. Por quê? Por questões indiscutíveis, a força das economias e do mercado mundial nunca permitirá o caos energético monitorado e gradual, pois isso geraria imediato caos econômico e social. Para quem está no poder, é preferível um inesperado e principalmente imensurável caos ambiental. Nenhum governante assume um ônus tão grande com base em um futuro que extrapola o horizonte de 4 ou 8 anos de seu governo. Mesmo que assumisse, as instituições democráticas dos demais poderes não permitiriam.
Existe uma forma correta de explorar o pré-sal com menos efeitos nocivos ao meio ambiente?
Isso a Petrobras sempre fez, está acima da média e reconhecida como modelo ambiental entre as petrolíferas. O problema, entretanto, é o produto. Podemos comparar as empresas petrolíferas com uma fábrica de cigarros. Ela pode fazer tudo certo mas não deixa de produzir um produto nocivo. O problema está em viver sem petróleo.
Além de atingir o ecossistema marinho, a exploração do pré-sal pode afetar outros ecossistemas?
Quando se fala em exploração petrolífera em alta escala não existe ecossistema privilegiado. O ambiente como um todo será impactado. As refinarias são em terra, os caminhões cruzam todas as estradas, os plásticos são espalhados pelos locais mais improváveis e o vento e as correntes passam por todo o planeta.
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse na semana passada que o governo brasileiro está desenvolvendo estudos técnicos para adotar o diesel bastante poluente como combustível para automóveis, o que, até agora, era proibido no país. Não seria um retrocesso o Brasil investir na exploração do pré-sal enquanto deveríamos estar pensando em combustíveis mais limpos e fontes renováveis de energia?
Com certeza. Essa declaração confirma o que respondi anteriormente. Uma das piores consequências da exploração do pré-sal será colocar o comprometimento com a busca e o aprimoramento de energias alternativas em segundo plano. Neste caso, é lamentável que uma ideia como essa parta de um ministro!
O senhor explicou que, ao explorar o pré-sal, o país vai transferir uma reserva gigantesca de carbono ultra-profundo para a superfície. Levando em conta esse fato, o Brasil terá condições de diminuir em 30% as emissões de carbono até 2020, como está prometendo?
Será simplesmente impossível realizar esse feito. Quem fez essa declaração desconhece os números. Neste caso, prefiro o modelo estadunidense que não assinou o Protocolo de Quioto porque não via forma de cumprir. O Brasil tem um histórico de se comprometer e não fazer, o que julgo bem pior.É possível calcular quanto de carbono será emitido pela exploração do pré-sal?
Não sabemos quanto óleo será retirado e nem em que escala de tempo, por isso, não é possível fazer este cálculo. Atualmente o Brasil está em cerca de 100 milhões de toneladas métricas de carbono emitidas.



