
Cercado por plantações e dependente economicamente da agricultura, o município de Doutor Camargo, no Noroeste paranaense, vem apresentando a cada ano um aumento no número de nascimento de crianças do sexo feminino. Em 2007, dos 53 recém-nascidos 27 eram meninas e 26, meninos. Já neste ano, dos 41 partos registrados na cidade de pouco mais de 5,6 mil habitantes, nasceram 23 meninas e 18 meninos, o inverso do que ocorre no restante do país, onde a maioria dos recém-nascidos é do sexo masculino.
O salto de 51% para 56% na proporção de nascimentos femininos de um ano para o outro pode estar diretamente ligado aos impactos da exposição constante e prolongada a vários tipos de agrotóxicos, elementos que, segundo estudos feitos na Europa e nos Estados Unidos, afetam a saúde reprodutiva de populações essencialmente agrícolas. A tese faz parte de uma pesquisa desenvolvida pela biomédica e professora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz, Gerusa Gibson.
A tendência observada no Brasil, um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, e em especial no Paraná, com forte característica agrícola, ganha força em dez municípios, a maioria no Noroeste e Norte do estado. Das 377 cidades investigadas, a relação entre a venda de pesticidas em 1985 e o número de nascimentos masculinos entre 1994 e 2004 ficou mais evidente nas cidades de Jardim Olinda, Santo Antônio do Caiuá, Nova Aliança do Ivaí, Icaraíma, Guairaçá, Doutor Camargo, Rio Bom, Cafeara, Barra do Jacaré e Palmeira, na região central do Paraná.
Como afirma a pesquisadora, alguns agrotóxicos trazem na fórmula uma série de elementos muito parecidos com os hormônios femininos. Quantidades maiores e a combinação errada dessas substâncias que substituem as naturais acabam sendo responsáveis por alterações e redução da fertilidade masculina, além de provocar malformações congênitas e abortos espontâneos. Entre os fatores que determinam o sexo dos bebês, a concentração hormonal dos pais no momento da concepção aparece como um dos mais importantes.
"Altos níveis de estrogênio e testosterona poderiam aumentar a probabilidade de nascimento de uma criança do sexo masculino, enquanto altas concentrações de gonadotrofina e progesterona parecem elevar a probabilidade de nascimentos femininos", explica Gerusa. É sobre estas taxas que grandes quantidades de agrotóxicos no organismo agem, desregulando a concentração dos hormônios de gênero.
Sonhos adiados
A secretaria municipal de Saúde acredita em coincidência, mas a dona de casa Ivone Cavalini, de 43 anos, que sempre quis um filho homem suspeita na interferência dos agrotóxicos. "Eu e meu marido sempre estivemos em contato direto com venenos aplicados nas lavouras de algodão, soja, milho e em parreirais. Esse contato com os venenos pode ser uma das explicações para o nascimento das minhas três filhas", lembra Ivone. Segundo ela, na comunidade onde morava, das cinco mulheres de agricultores que estavam grávidas, apenas uma teve bebê do sexo masculino. "Já ouvi vários comentários sobre a interferência no organismo humano por causa da exposição aos agrotóxicos, mas na época não tínhamos acesso a esse tipo de informação", comenta.
O agricultor Valmir Morales, de 40 anos, que desde os 18 anos trabalha na lavoura, e a esposa Odilamar Calixto Morales, de 40 anos, desejavam ter um filho homem, mas para a surpresa deles tiveram duas meninas. "Sempre quisemos um menino, ele tinha até nome. Nas duas tentativas não deu certo. Graças a Deus elas são perfeitas, isso é que importa", comenta Valmir. O agricultor, que sempre usou máscara e roupas especiais para aplicação de veneno na lavoura, também suspeita na interferência dos agrotóxicos. "Desde jovem trabalho em contato com esses venenos, assim como outros colegas, e hoje observo que eles também não têm muitos filhos homens",diz Valmir.
A mesma realidade é constatada em Jardim Olinda, também no Noroeste, onde a proporção de nascimentos masculinos chegou a 26,3% contra 73,7% de nascimentos femininos. Segundo Gerusa, ainda há a necessidade de uma avaliação mais profunda de todos os possíveis fatores que possam ter levado a estas mudanças e os reais impactos da exposição aos chamados desreguladores endócrinos ambientais. "O mais importante é identificar e minimizar os riscos a que a população desses municípios agrícolas está exposta", adverte.





