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História

Extração de areia põe em risco sítio arqueológico em Piraquara

Flechas e cerâmicas são descobertas em área que abrigará reservatório de água

Piraquara – Aquele que pode ser o maior e mais importante sítio arqueológico já descoberto no Paraná corre o risco de se perder ou ser destruído antes mesmo de explorado. As descobertas começaram há cerca de seis anos, às margens do Rio Piraquara. A região será inundada, após a conclusão, pela barragem Piraquara II, da Sanepar, na região metropolitana de Curitiba. São aproximadamente 5 mil peças de cerâmica e pedra, além de um dente que os pesquisadores acreditam ser de um animal pré-histórico e troncos de árvores petrificados com idade estimada entre 5 mil e 10 mil anos.

As peças mais importantes – o dente e pontas de flecha em pedra lascada – foram encontradas em agosto do ano passado, quando duas mineradoras passaram a extrair areia na região. Os materiais estavam quatro metros abaixo do nível do solo. "São materiais arqueológicos de extrema importância, que podem ter idades variadas", disse a arqueóloga Cláudia Inês Parellada, responsável pelo Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, que coordenou o trabalho. "No Paraná temos 11 sítios com cerca de 6 mil anos e apenas dois com mais de 10 mil anos."

O que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a possibilidade de encontrar um sítio que reúna restos de animais extintos, de seres humanos e da vegetação existente na época. "O arqueólogo se prepara para que esse momento aconteça. E aconteceu de uma hora para outra", diz Cláudia. Os outros sítios com mais de 10 mil anos encontrados no Paraná ficam no vale do Rio Iguaçu (no Sudoeste do estado) e no vale do Rio Tibagi (Campos Gerais).

Risco

O que era para ser um motivo de alegria para os pesquisadores, no entanto, virou preocupação. Segundo Cláudia, a atuação de mineradoras de areia na região poderá levar à destruição do material não descoberto. Cláudia entrou no projeto para fazer o resgate arqueológico, um estudo realizado em áreas que serão destinadas a obras de construção civil. Logo no início encontrou materiais em cerâmica, mas disse ter ficado "com as orelhas em pé" ao localizar uma ponta de flecha feita em pedra, com cerca de 11 centímetros. "Com esse tamanho, não é uma coisa que se ache todo dia", afirmou.

Depois das descobertas, Cláudia avisou a Sanepar e as mineradoras, mas disse não ter encontrado apoio para continuar as descobertas. "Nas áreas impactadas [pela mineração] é fundamental a realização de escavações", disse a pesquisadora, que é graduada em Geologia, mestre em Antropologia Social e doutora em Arqueologia. "O material estava estabilizado, agora foi exposto ao sol e à chuva e vai se perder. Principalmente o material orgânico, como os esqueletos, que provavelmente estão no local."

Na semana passada, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão ligado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), embargou a extração de areia na região. Cláudia, no entanto, disse que tem sido impedida pela Sanepar de voltar ao local para dar seqüência às escavações. "Disseram que eu não poderia entrar nas área de mineração, fossem elas particulares ou não", revelou. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Sanepar afirmou desconhecer a proibição.

Prejuízo

A reportagem esteve ontem na área da barragem Piraquara II e constatou que grande parte do local já foi explorada pelas mineradoras. Perto do eixo da futura barragem, as empresas pouparam apenas a área em que havia postes de iluminação, que ficaram muito acima do solo. Nestes trechos, o desnível ultrapassa quatro metros. Alguns caminhões ainda estavam no local e um funcionário confirmou que ali havia um areal e um ponto de extração de argila.

A licença para extração de areia foi obtida pelo empresário Mauro Fregonese, junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão do Ministério de Minas e Energia. Ele repassou a licença para duas empresas, a ETR Comércio de Areia e a Mineuro Comércio de Areia e Extração. Segundo o empresário, as áreas de extração são particulares e os proprietários fizeram um acordo com as mineradoras.

Para Fregonese, o IAP e o Ministério Público deviam dar um prazo para os arqueólogos explorarem a região. "Dizem que tem um sítio arqueológico, mas não provam nada. Chegaram a falar em um esqueleto de bicho-preguiça gigante de 10 mil anos. Quando foram ver, era de um cavalo", afirmou o empresário. "É fácil dizer que tem um osso enterrado. Quero saber quem vai arcar com o prejuízo quando as empresas quebrarem."

As áreas ao redor do Rio Piraquara, inclusive os areais, estão em processo de desapropriação para abrigar o reservatório. A previsão da Sanepar é de que as obras da barragem Piraquara II sejam concluídas até junho deste ano. O investimento é de R$ 40 milhões e o reservatório terá 18 metros de altura, com uma capacidade de armazenamento de 20 milhões de metros cúbicos de água, o suficiente para atender 260 mil pessoas. A área da bacia é de 85 quilômetros quadrados. Já o lago terá 5,6 quilômetros quadrados de extensão. O início da inundação para formar o lago depende da conclusão da obra e dos processos de desapropriação.

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