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Em agosto de 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, Lula foi questionado por uma jornalista da BBC News sobre suas declarações frequentes de que o atentado à faca que o então presidente havia sofrido um ano antes teria sido uma armação orquestrada por aliados de Bolsonaro para faturar politicamente.
O petista minimizou a gravidade do atentado e alegou que não acreditava que houve uma agressão real, mas não respondeu aos pedidos de embasamento para sua tese. Confrontado novamente, Lula ficou visivelmente irritado e encerrou a pergunta em tom agressivo.
Naquela época, as alegações de Lula estavam reverberando muito entre a esquerda, que via a facada como o ponto de virada para que Bolsonaro vencesse as eleições de 2018. Os anos seguintes foram marcados pela crescente propagação da teoria de uma “facada fake”, que ignorava os diversos laudos médicos, cirurgias e internações públicas e documentadas.
O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), que viria a tornar-se ministro da Comunicação Social em 2023, na nova gestão Lula, foi um personagem-chave nessa estratégia e incendiou a militância de esquerda ao divulgar, em setembro de 2021, um documentário do Brasil 247. O site, abertamente alinhado à esquerda, tentava embasar a suposta teoria com um verniz jornalístico, mas não trouxe nenhuma prova que sustentasse a tese.
Outros setores da esquerda – incluindo políticos e influenciadores, como o ex-deputado Jean Wyllys, o humorista Gregório Duvivier e o youtuber Felipe Neto – engrossavam o coro de minimização da gravidade do ataque, alegando que havia sido um “corte superficial” e que Bolsonaro explorou o episódio politicamente.
Hoje, quase sete anos após a facada, a narrativa segue viva. No último domingo (13), data em que Bolsonaro passava pela sexta cirurgia decorrente de complicações do atentado, o termo “fakeada” foi levantado por militantes de esquerda. As postagens foram tantas que o termo ganhou um lugar nos trending topics (assuntos mais comentados em uma rede social) do X, em uma ação para deslegitimar as consequências do ataque.
Desde a facada, o ex-presidente já passou por sete hospitais, ficou 54 dias internado para tratar das consequências do atentado e convive com uma série de limitações decorrentes do ataque (veja abaixo). O número de dias internado, aliás, segue crescendo, já que Bolsonaro atualmente encontra-se na UTI do hospital DF Star, em Brasília, sem previsão de alta.
Desafeto de Bolsonaro, que estava presente no momento da facada, desmentiu narrativa
O advogado Gustavo Bebianno que, na época do atentado, era braço direito de Bolsonaro, foi uma figura central no episódio da facada. Ele estava acompanhando o então pré-candidato na agenda de campanha quando ocorreu o esfaqueamento pelas mãos de Adélio Bispo de Oliveira, e ajudou no socorro, acompanhando Bolsonaro no hospital nos dias seguintes.
Bebianno chegou a ser presidente do PSL (partido de Bolsonaro na época), e depois tornou-se Ministro da Secretaria-Geral da Presidência na gestão do ex-presidente. No entanto, após conflitos com Carlos Bolsonaro, foi exonerado menos de dois meses após o início do novo governo.
Após o rompimento, o advogado passou a ser um crítico de Bolsonaro. Figuras da esquerda passaram a ver nele alguém que poderia dar alguma declaração pública que colocasse em dúvida a veracidade do atentado. Bebianno sustentou tudo o que havia dito anteriormente e rechaçou qualquer possibilidade de armação.
“Eu estava lá e eu vi. A facada foi uma agressão muito violenta. Uma lâmina desse tamanho toda suja para causar infecção. Eu assisti à cirurgia toda. O Carlos Bolsonaro deitado no meu colo chorando como criança. Foi um momento muito crítico, muito triste, e esse negócio de fake news é balela”, declarou em outubro de 2019, quando já se passavam dez meses do rompimento com Bolsonaro.

Ritmo de internações e cirurgias de Bolsonaro pode perdurar por anos
Traumas abdominais com a lesão de estruturas vasculares e de órgãos abdominais, como foi o caso do ex-presidente, são bastante complexos e, nesses casos, geralmente uma única cirurgia não é o suficiente. Como explica a médica Fernanda Kinceski Pina, especialista em cirurgia colorretal, é comum que pacientes com traumas abdominais graves, como o de Bolsonaro, desenvolvam aderências intestinais (cicatrizes internas entre os órgãos) que exigem novas intervenções.
“No caso dele, como a barriga estava muito infeccionada e com bastante processos inflamatórios, as aderências tendem a ser mais severas. E quanto mais procedimentos cirúrgicos o paciente é submetido, há mais chances de haver novas aderências”, explica Fernanda.
A condição do ex-presidente após o atentado é de uma vida relativamente normal, mas há uma série de contratempos, como dores e desconfortos crônicos, impedimento a esforços físicos mais intensos, restrições em viagens e eventos públicos e dependência de acompanhamento médico frequente.
Além disso, qualquer alteração do ponto de vista gastrointestinal, especialmente quando a dieta é alterada, pode levá-lo a novas internações. “Dependendo do caso, o paciente pode ter um quadro grave de infecção se não for submetido a um tratamento que pode ser inicialmente clínico, como aconteceu com o Bolsonaro. Se não houver melhora, é preciso fazer uma nova cirurgia para resolver o problema da oclusão [bloqueio dotal do intestino]”, afirma a médica.
Entre 2018 e o início de 2019, o ex-presidente tornou-se colostomizado e passou a usar uma bolsa coletora acoplada ao abdómen para a eliminação das fezes. Conforme explica Fernanda, dependendo do grau de uma eventual nova obstrução intestinal, Bolsonaro pode voltar a depender de uma bolsa de ostomia.




