Ao final de todos os meses, os números não mentem no balanço do Serviço de Atendimento ao Vitimizado (SAV) mantido pela Fundação de Ação Social (FAS), órgão da prefeitura de Curitiba. Cerca de 90 telefonemas à central 156 registram, a cada 30 dias, maus-tratos e agressão física e psicológica a idosos. Os fatos relatados muitas vezes beiram o inacreditável, mas mesmo que pareçam nascidos de uma imaginação fértil são conferidos, um a um, por uma diminuta equipe de três assistentes sociais, uma gerente, uma apoiadora e uma psicóloga, tendo à frente Eliana Oleski, coordenadora do Resgate Social.
Desde setembro de 2003, quando entrou em vigor o Estatuto do Idoso, o telefone tem tocado com mais e mais freqüência na FAS. Naquele ano, 351 episódios chegaram à equipe do Resgate. No ano seguinte, as denúncias saltaram em 50%, chegando a 579. Nos primeiros meses de 2005 foram 320 podendo contabilizar 700 até dezembro. Muito ou pouco, é de consenso entre os profissionais do setor que esse número deve responder a uma modesta metade do que realmente acontece.
"As vítimas tendem a proteger o agressor, principalmente quando é da família", explica Eliana. Outro fator de distorção são as estatísticas dos hospitais, nos quais, ao dar entrada, os idosos agredidos costumam alegar quedas e acidentes domésticos, no lugar do constrangimento de relatar que foram surrados por parentes ou terceiros. Nem sempre os médicos têm como investigar os motivos reais, embora, segundo depoimentos de atendentes de prontos-socorros, é comum haver contradição entre causa e efeito. Ou seja, o tipo do corte na cabeça ou o tamanho do machucado são responsabilidade demais para uma pobre porta de armário. "A pele do idoso é mais fina. Uma batida deixa roxo nos braços ou no rosto. Quando há agressão dá para camuflar. Mas os efeitos da agressão não enganam", diz a psicóloga Rosângela Elisabeth Sickel, 50 anos, dos quais 25 de profissão e dois e meio de Resgate Social.
Beth, como é chamada, acumula um arsenal de episódios de "a vida como ela é". São de emudecer. Certa vez, depois de todas as tentativas de apurar uma denúncia de cárcere privado, recorreu às autoridades e conseguiu ordem para entrar no apartamento em que uma senhora de 68 anos estaria cativa, de acordo com o alarde dos vizinhos, que ligaram para o 156. A psicóloga, o guarda e uma enfermeira tiveram de subir por uma escada, improvisada do lado de fora do prédio, numa operação de salvamento digna de bombeiro em dia de incêndio.
A cena era estarrecedora. "A idosa estava amarrada na cama, com hematomas e sem água. Hoje, está abrigada", lembra, em uma roda de conversa da qual participaram as assistentes sociais Ana Márcia Noga e Rosemery de Bárbara Correia. A bordo da Kombi do Resgate Social, elas fazem, diariamente, uma viagem ao desconhecido. "A gente pensa que viu tudo, mas sempre se surpreende", avisa Rosemery.



