
Todos os dias, a professora universitária Lola Aronovich tem um compromisso que impôs a si mesma: escrever um post no blog que mantém há quatro anos, o Escreva, Lola, Escreva. Logo após clicar em "enviar" o conteúdo, os comentários, cerca de 50 a cada postagem, já começam a chegar. Os temas geram polêmicas, muitos comentários impublicáveis, renderam um boletim de ocorrência e até convites para dar aulas inaugurais em universidades.
O motivo do sucesso, "para o bem e para o mal", é pelo fato de Lola editar um blog feminista, estilo de "diário virtual" que vem crescendo no país. Atualmente, são mais de cem, utilizados para o debate de temas que muitas vezes não encontram espaço em outros meios. Ali, mulheres na faixa de 20, 30, 40 anos ou mais discorrem sobre aborto, estupro, sexualidade, padrões de beleza e violência doméstica em meio a relatos pessoais e dicas de leitura e filmes.
Um diferencial em relação ao passado é a infinidade de temas que têm como ponto central a defesa dos direitos da mulher: há desde sites voltados às negras, vítimas de violência e homossexuais até os destinados a registrar o dia a dia das mulheres, os de ficção e os que tratam de maternidade, relacionamentos e sexualidade contrariando o senso comum de que o movimento não acolhe mulheres que optaram por ser mães ou se casar.
Desmistificar o movimento, aliás, é uma das grandes contribuições desses blogs e sites, na opinião da jornalista e editora da Agência Patrícia Galvão, entidade voltada à promoção, na mídia, de temas ligados à mulher Marisa Sanematsu. "Nos meios tradicionais, as feministas ainda são vistas como aquelas que queimam sutiãs e odeiam os homens. Ao acessarem esse conteúdo, elas veem que isso é um mito. E que os temas ali tratados são universais, e mais: que ainda há muito o que conquistar".
Polêmica
Ao contrário da ideia propagada de que o movimento arrefeceu ou perdeu sua razão de ser, Lola afirma que há cada vez mais mulheres mobilizadas e interessadas em colocar em xeque os papéis impostos aos gêneros, com a ajuda da web. "No começo, eu escrevia mais sobre cinema, mas percebi que os temas feministas chamavam mais atenção. Ao contrário do que diversas pessoas pensam, muitas mulheres se identificam com a causa".
Para a historiadora e professora da Facinter Maira Nunes, que participa do movimento, a grande contribuição dos blogs é a característica agregadora da plataforma. "Antes, o feminismo só era vivenciado por quem participava do movimento. Ele era restrito a instituições, a partidos, a redes. Hoje, mesmo quem não tem uma vivência e uma experiência dentro do movimento pode se apropriar do feminismo ao acessar esses blogs".
Com o sucesso, no entanto, as blogueiras também sofrem com ameaças e comentários depreciativos. Lola, que é casada e fala do marido nas postagens, é frequentemente chamada de "gorda", "feia" e "lésbica", e já registrou boletim de ocorrência por ameaças sofridas por um grupo anônimo. "Antes de escrever o blog, nunca imaginei que houvesse um nível de misoginia (termo para designar o ódio a mulheres) tão grande no país. Isso me assustou, mas eu tento não dar bola".
Interatividade permite curar feridas abertas
O aumento dos blogs feministas na rede, muitos de caráter pessoal, permite a muitas mulheres uma possibilidade de dividir problemas, angústias e até episódios traumáticos. Atualmente, é possível encontrar, em endereços no Brasil ou no exterior, espaços que congregam mulheres vítimas de estupro, que realizaram aborto, são vítimas de violência doméstica ou se sentem excluídas por estarem acima do peso.
Tal experiência, de acordo com a jornalista Vera Vieira, coordenadora da Rede Mulher de Educação e ex-vítima da violência doméstica, tem o poder de curar muitas das feridas abertas pela discriminação e mostrar a outras mulheres que o que elas vivem em silêncio é compartilhado por outras mulheres. E que é preciso denunciar a violação de direitos.
"A internet permite uma interatividade, uma troca jamais vista antes na nossa civilização. As mulheres não são apenas consumidoras de informação, elas produzem conteúdo. Isso é extremamente importante para desconstruir os estereótipos dos quais elas são vítimas e discutir temas que interessam a elas".
A jornalista, no entanto, lembra que há um longo caminho a percorrer para quebrar as diferenças de gênero que se impõem até mesmo em um universo democrático como a internet. Hoje, a imensa maioria dos blogs e sites é mantida por homens. Além disso, ainda é grande a resistência a esses blogs, eventualmente alvos de ameaças, xingamentos e até de invasões.
"Tudo passa pela educação. Precisamos incentivar as mulheres a criar esses espaços, a serem criativas, a divulgá-los, para que elas tenham mais voz e para que, inclusive, esses episódios negativos sejam em número menor diante das iniciativas positivas", diz ela, que em sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo trabalhou com relatos de vítimas de violência doméstica colhidos na internet, que podem ser acessados no endereço http://mulheresetics.blogspot.com/
Interatividade
Como utilizar os blogs e mesmo a internet para conscientizar e promover os direitos da mulher?
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