Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Segurança pública

Filhos da classe média cedem ao encanto perigoso do tráfico

Paulo, 25 anos, nome fictício, classe média alta, é filho de um fazendeiro bem-sucedido, produtor de soja, e tem um irmão que estuda na Inglaterra. Mesmo com um mundo de oportunidades a seus pés, ele optou por virar traficante. Em apenas quatro meses, numa carreira curta e perigosa, foi preso e condenado pelo crime. Está preso há cerca de três anos. O perfil de Paulo é bem diferente daquele normalmente atribuído a traficantes: jovens de periferia, que buscam no tráfico dinheiro fácil para satisfazer o vício, manter a sobrevivência e ter acesso a bens de consumo.

Nos últimos seis meses, a Polícia Federal prendeu pelo menos sete pessoas de classe média e média alta no estado por suspeita de tráfico internacional de drogas. Entre elas está uma designer, um músico, dois estudantes e filhos de empresários. Já a Delegacia de Antitóxicos de Curitiba pegou, em flagrante, há cerca de quatro meses, uma estudante de Pedagogia com droga e dinheiro trocado dentro da calcinha, oriundo da venda de crack e maconha.

Há ainda outro caso famoso. A história de dois irmãos e um primo (adolescente) pegos em flagrante pela polícia, com quase meio quilo de maconha. Eles eram sócios de um dos mais tradicionais clubes de Curitiba – um dos pais é empresário e o outro, comendador. O grupo foi preso em flagrante numa rodovia em São José dos Pinhais, voltando de Balneário Camboriú (SC). A polícia chegou aos rapazes após trocar tiros com um traficante carioca, na porta do clube que eles freqüentavam. Para quem o trio vendia droga? Para os próprios colegas do refinado clube.

Especialistas

Segundo especialistas no assunto, os chefões do tráfico de drogas tentam cada vez mais se aproximar das pessoas de maior poder aquisitivo, a fim de facilitar as vendas para quem tem mais dinheiro. Os bandidos agem com mais facilidade com os filhos de pais negligentes e permissivos, normalmente mais propensos a condutas anti-sociais.

A psicóloga Lídia Weber, coordenadora do núcleo de análise do comportamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que crianças e adolescentes que mentem, brigam, batem, xingam, enganam, chamadas de anti-sociais, tendem a se associar a colegas com o mesmo tipo, ou seja, chamados "pares desviantes". "Eles não aprenderam limites, não tiveram afeto nem monitoria dos pais. Assim, associam-se a outros que como eles buscam atenção e dinheiro fácil, um caminho certo para uso e tráfico de drogas", diz ela. "Logo, práticas parentais, associadas a envolvimento com colegas como pares desviantes são fatores de risco para uso e tráfico de drogas." Lídia lembra ainda que tudo gira em torno do lucro fácil, da atenção pelo lado negativo, como "eu sou o bacana, o bom". Daí, para obter atenção, afeto e dinheiro, vem o comportamento anti-social. Geralmente, as pesquisas apontam a forma com a pessoa foi educada como a razão do problema.

Negócios

Para melhorar a eficiência do comércio ilegal, traficantes oriundos da classe média utilizam-se também de negócios legais. "Há gente montando comércio [como bares, boates e lanchonetes] para traficar", afirma a promotora de Justiça Maria Esperia Costa Moura, da Comissão Nacional de Apoio às Penas Alternativas do Ministério da Justiça. São pontos freqüentados por pessoas de bom poder aquisitivo, que não precisam ter contato com o traficante pobre e correr todos os riscos para comprar a droga, como ir até a favela.

O perfil do traficante "first class" traçado pelos especialistas é bem parecido com o de Paulo, o personagem central da reportagem. Paulo veio do interior para estudar em Curitiba. Com muita liberdade, foi nas festas e nos churrascos de universitários que começou a usar drogas. "Eu não precisava do dinheiro, embora faturasse muito com isso, principalmente nas festas rave. Primeiro, eu vendia lança-perfume. Depois que me descobriram, passei a vender ecstasy também. As drogas vinham da Argentina e do Rio de Janeiro", diz.

O tráfico lhe deu fama, novos amigos, assédio de mulheres e dinheiro fácil. Tudo era festa até ele ser flagrado com 500 frascos de lança-perfume. Paulo foi preso num hotel, no Centro de Curitiba, onde alugava um quarto para guardar a droga. Ele morava com um irmão, num apartamento mantido pela família. Foi condenado a quatro anos de prisão, dos quais já cumpriu três. Ele diz que está arrependido e faz planos para quando deixar a prisão. "Quero recomeçar a minha vida na Inglaterra, onde está o meu irmão."

Problemas

Para o jurista René Ariel Dotti, problemas como o de Paulo são sociais e culturais, não apenas legais. "A sociedade de consumo produz isso, com a falta de valores morais", afirma. "Isso é grave, mas não deve ser tratado com hipocrisia. Não é apenas um crime, mas problema social, que não pode ser atribuído apenas à família."

O delegado Douglas Vieira, titular Delegacia Antitóxicos de Curitiba, coloca como seu maior desafio acabar com o tráfico e consumo de drogas nas festas rave – uma das principais áreas de atuação dos traficantes de classe média. Ele assumiu o cargo há cerca de 30 dias.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.