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O dia pode começar com um "empréstimo recheado de Páscoa", como diz o panfleto colorido, com um coelho sorridente. Com o dinheiro na mão, já é possível comprar um perfume importado ou "fragrâncias similares", como informa o papel entregue por uma adolescente. Ou um óculos de sol, a loja da esquina acaba de anunciar uma nova liquidação.

Não, melhor uma "mensagem com fundo musical para todas as ocasiões". Tem mensagem de reconciliação, boa sorte, conquista, boas-vindas. Tantas opções podem render uma dor de cabeça, mas a farmácia da esquina oferece descontos de até 50%. O carro está sem seguro? "Esta é a hora certa." Não completou o segundo grau? "Conclua no menor tempo possível." Os dentes estão tortos? "Coloque aparelho agora." Estressado? "Venha para a sauna". Quem não souber que rumo tomar com tantos papéis na mão que consulte uma taróloga, uma cartomante, uma astróloga. Elas também estão nos panfletos.

Estão são apenas algumas das ofertas feitas na região central de Curitiba. Quem passa pelo centro da cidade já constatou: os entregadores de panfletos estão em vários lugares, prontos para empurrarem aquele papel que na maioria das vezes só incomoda. O destino pode ser o bolso, a gaveta, a lixeira. Ou, muito pior, a rua e o bueiro – prejudicando o sistema de escoamento das águas da chuva.

Os panfleteiros são uma das mais recentes categorias de autônomos a invadir as ruas da cidade. Ganham em média R$ 10 por dia, mais almoço e dois vales-transporte. Trabalham até oito horas diárias, mas não têm registro em carteira, nem direito a férias, 13.° salário e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Não reclamam muito da atividade, mas todos pretendem deixá-la assim que puderem. Por enquanto, a panfletagem é a única maneira de garantir renda.

Bom-humor

O adolescente Jean (nome fictício, porque ele prefere não ser identificado), 16 anos, chega por volta das 8h30 ao trabalho. Recebe cerca de 300 panfletos do seu empregador e às 9 horas já está na esquina das ruas Marechal Floriano e Cândido Lopes, perto da Praça Osório. Veste boné e camisa do time do coração. Tenta manter a calma e o bom-humor até deixar o serviço, às 17 horas. "Tem que ser educado, sorrir e dar bom-dia", conta ele. "Às vezes eu perco a paciência, mas não dá para fazer muita coisa."

Jean ganha um salário mínimo por mês. Não tem registro em carteira nem garantia de que irá receber em dia. Os panfletos que distribui oferecem cafés-da-manhã na cama, mensagens de amor e felicitações pelo novo emprego. Coisas que, por enquanto, ele não pode ter. "É que eu terminei agora o segundo grau e estava desempregado. É melhor ganhar um dinheiro do que ficar na rua. Mas, logo que eu puder, eu largo isso aqui."

A situação de Deise Marli Hench, 49 anos, é parecida. A diferença é que, diferentemente do estudante, ela já não tem muitas esperanças no futuro. Moradora do Pilarzinho, Deise fica das 10 às 16 horas no calçadão da Rua XV, onde distribui propagandas de produtos de beleza que nunca viu de perto. "Vale a pena, não tenho mais saúde para outro trabalho", afirma. O maior problema? "Tem gente que não quer pegar." Ela também não tem registro em carteira e trabalha há dois anos como panfleteira nas ruas da cidade.

Mau-humor

O mau-humor alheio e os palavrões são o que mais incomodam no cotidiano da promotora de vendas Marilda da Rosa, 24 anos, que passa oito horas de seu dia na Rua XV. "Xingam a gente de tudo. Parece que o povo não entende que a gente está trabalhando", reclama. "Mas é o que está quebrando o galho, não escolho serviço. O pior é quando enganam o pessoal, não pagam o que prometeram."

A cinco metros dali, outra panfleteira só pensa em mudar de vida. "Dá para sobreviver, mas dizer que dá para comprar roupa, melhorar de vida, não dá", diz a mulher de 28 anos que prefere não ter o nome divulgado (teme represálias da empresa). Ela trabalha das 9 às 18 horas. Se distribuir todos os panfletos, ganha mais uma carga. "É cansativo, tem que ficar em pé o dia inteiro. Fora o estresse. Tem gente muito mal-educada."

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