Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Entrevista

Formando agentes que evitam conflitos

Adolfo Braga Neto, consultor da Secretaria de Reforma do Judiciário e educador do Pronasci

“É natural, no processo de mediação, ocorrer a sensibilização de uma pessoa em relação à outra. Tentamos fazer com que um se coloque no lugar do outro, se solidarialize com a situação do outro. A partir dessa solidariedade, nasce a cooperação.” | João Fernandes
“É natural, no processo de mediação, ocorrer a sensibilização de uma pessoa em relação à outra. Tentamos fazer com que um se coloque no lugar do outro, se solidarialize com a situação do outro. A partir dessa solidariedade, nasce a cooperação.” (Foto: João Fernandes)

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Adolfo Braga Neto é o educador do Programa Nacional de Segurança Pública com Ci­­dadania (Pronasci) responsável por formar mediadores de conflitos nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Sob sua tutela, 30 moradores das comunidades Borda do Campo e Grande Guatupê, em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, passarão a atuar, a partir do mês que vem, como mediadores do programa Justiça Comunitária, do Ministério da Justiça. O projeto pretende prevenir e solucionar pequenos conflitos entre as pessoas, com o objetivo de que não evoluam para processos judiciais ou atos de violência.

Como age o mediador de conflito?

Auxilia as pessoas a administrar um conflito. O conflito está em qualquer tipo de relação. Enquanto existir um ser humano que se envolva com outro, o conflito vai existir. Por isso, ele não precisa ser visto de forma negativa. A grande dificuldade é administrar esse impasse para as pessoas evoluírem com ele. Porque as pessoas estão acostumadas a seguir o princípio de que "já que eu não me entendo com você, vou pedir para que outro dê uma decisão e atenda o que eu quero". Aí, nasce a competição e a imposição. A mediação vem mostrar que não é esse o caminho.

É uma maneira, então, de resgatar um diálogo que se perdeu entre essas pessoas?

É natural, no processo de mediação, ocorrer a sensibilização de uma pessoa em relação à outra. Então, tentamos fazer com que um se coloque no lugar do outro, se solidarialize com a situação do outro. A partir dessa solidariedade, nasce a cooperação, com a possibilidade de as pessoas pensarem olhando para o futuro.

Quando falamos sobre mediação de conflitos, surgem dúvidas sobre que tipos de conflitos estamos falando. No âmbito do projeto Justiça Comunitária, quais são os mais comuns?

São três eixos de conflitos. Primeiro, as questões familiares, como brigas de marido e mulher, conflitos entre pai e filho, entre sobrinhos, etc. Segundo, a mediação entre vizinhos, que eventualmente brigaram, eram amigos e agora se veem como inimigos, por exemplo. Em terceiro, os conflitos que envolvem várias pessoas de uma mesma rua ou mesmo bairro. Também temos atendido muitos conflitos que têm origem na escola, envolvendo alunos da mesma classe, de turmas diferentes, professor e aluno, pai e professor.

Todos os conflitos são mediáveis?

Sou suspeito para dizer, já que trabalho com isso há muito tempo, mas, no meu modo de entender, todos são mediáveis. Quem vai determinar a limitação dessa mediação são as próprias pessoas, a partir da vontade delas em buscar uma solução. Posso utilizar a mediação em qualquer área, seja no ramo empresarial, no âmbito familiar, no escolar e, principalmente, na comunidade.

A Justiça Comunitária tem a intenção de substituir, em parte, a ação do Judiciário e das polícias nas comunidades?

Pelo contrário. É mais uma ferramenta, uma proposta de trabalho que vem pra auxiliar. Nós não viemos para substituir ou dividir, mas para somar. Suponha dois vizinhos brigando por causa do cachorro de um deles. Nesse caso, a mediação é o método mais adequado. Mas, se eles não querem ir por essa via, há outros caminhos. Eles podem recorrer ao Judiciário. O que os moradores da Borda do Campo e Grande Guatupê terão é a possibilidade de usar um mecanismo diferenciado.

De que maneira esse mecanismo auxilia no combate à violência nas comunidades?

A mediação precisa ser entendida em um contexto mais amplo. A melhoria da segurança pública e a pacificação das comunidades são resultados naturais da administração positiva dos conflitos naquela região. Mas não são o objetivo primordial. A pacificação vai ocorrer em um segundo momento, quando as pessoas construírem uma relação mais pacífica uma com as outras. A nossa intervenção, por meio da mediação de conflitos, é muito mais pontual. Muitas atitudes violentas ocorrem devido à tentativa de solucionar problemas de forma impositiva. E na mediação procuramos reverter isso.

A mediação de conflitos já é tratada como política pública?

No ano passado, o Conselho Nacional de Justiça criou uma resolução em que estabelece a mediação como uma das maneiras de resolver conflitos de forma adequada. Já vemos programas como o de São José dos Pinhais em vários estados, como no Acre, Ceará, Bahia e Rio de Janeiro.

O que está sendo feito hoje então por meio da Justiça Comunitária não é um experimento.

Não, é uma política pública adotada pelo governo anterior, em 2009, e que foi mantida. A intenção é que haja uma continuidade desses projetos. Não sei se o formato vai ser o mesmo para os próximos anos, porque, pelo que sei, existem até intenções de aumentar a carga horária dos cursos de qualificação.

Mas já há, por meio da sociedade, de maneira geral, uma boa aceitação dessa nova política? As pessoas sabem o que é mediação de conflitos?

Tenho falado nas cidades em que dou o curso que os gestores não podem esperar, em um primeiro momento, que as pessoas vão aparecer logo após o programa estar em funcionamento. As pessoas não conhecem a Justiça Comunitária e nunca ouviram falar de mediação. E, se ouviram, têm uma visão deturpada. A confusão ainda é muito grande. Junto com o curso, é preciso investir em um plano de divulgação, que pode ser feito pelos próprios agentes.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.