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Entrevista

Fotos e fatos de uma revolução apimentada

Carlos Alberto Sampaio Barbosa, professor de História da América da Unesp/campus de Assis e autor dos livros A Revolução Mexicana e Fotografia a Serviço de Clio

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Mais de 700 mil imagens marcam a origem do fotojornalismo. Elas foram tiradas durante a Revolução Mexicana (1910-1920) e continuaram sendo produzidas depois que o conflito se deu por encerrado, até meados da década de 1970. Foi sobre parte desse acervo que o historiador Carlos Alberto Sampaio Barbosa, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), se debruçou para estudar o nascimento da fotonotícia e desmistificar a ideia de que a fotografia representa a realidade pura e crua.

"É muito mais representação. A fotografia não contava com câmeras desenvolvidas como hoje. Eram equipamentos grandes que não captavam movimentos", diz Barbosa. Como fazer, então, para registrar um exército em combate? O jeito era pedir às tropas para posar, depois de terminado o combate. "Elas não mostram as batalhas reais, são muito mais encenações", afirma o pesquisador.

Barbosa analisou dez volumes, com cerca de 11 mil imagens, de um álbum chamado Historia Gráfica de la Revolución Mexicana. As outras 700 mil fotos estão em Pachuca, no México, na Fototeca Nacional. A conclusão é a de que as imagens são um posicionamento político da época, pois valorizam mais a atuação do ex-presidente Venustiano Carranza do que a luta dos camponeses.

O historiador lembra ainda que o fotojornalismo nasceu da necessidade do repórter Augustín Victor Casasola de produzir imagens para as suas reportagens. Em entrevista à Gazeta do Povo, Barbosa, que se aprofundou na análise da Revolução Mexicana desde o curso de graduação, explica a importância da fotografia na revolução e as polêmicas que envolvem o conflito.

Por que a Revolução Mexicana é vista como o marco do fotojornalismo?

Talvez porque seja a primeira amplamente registrada com imagens. Depois dela vieram a Revolução Russa e a Primeira Guerra Mundial, o fascismo e o anarquismo. Foi então que o fotojornalismo se popularizou. Os norte-americanos tinham muito interesse no México. Por isso houve uma grande demanda de fotos da imprensa americana, assim como da mexicana, da argentina e da brasileira.

Como Casasola reuniu um acervo tão grande de imagens?

Ele contou, durante a revolução, com a ajuda dos irmãos. Depois vieram os filhos e os netos que postergaram o trabalho até a década de 1970. Casasola adquiriu todas as fotos de um jornal chamado "Imparcial", que acabou falindo. O acervo de 700 mil fotos é de autoria de 480 fotógrafos, entre mexicanos e estrangeiros.

Analisando as imagens, a que conclusão se pode chegar?

Que, assim como ocorre com outras profissões, o fotógrafo também é carregado de valores culturais, éticos e políticos. As fotos deixam transparecer de uma maneira subliminar que os fotógrafos estavam a favor da burguesia e contra os campesinos [Emi­liano] Zapata e Pancho Villa. Eles valorizam mais a atuação de Carranza, da burguesia, em detrimento dos camponeses. As fotos trazem uma visão preconceituosa de Zapata e Villa, que são colocados como bandidos e selvagens. As imagens valorizam a classe alta que acaba saindo vitoriosa.

Como a imprensa cobriu a revolução? Também houve posicionamento?

Havia jornais contrários e favoráveis à revolução. Os periódicos populares do Brasil, como A voz do trabalhador e A Guerra Social, eram voltados aos operários e simpatizantes da revolução. O Brasil na época era uma república excludente. Os operários não viam a possibilidade de reformas constitucionais. A revolução já se provava no México como um modelo que poderia servir para o resto do mundo.

E os jornais voltados à elite?

Não mostravam a revolução como um modelo a ser seguido, pelo contrário, era algo a ser evitado. Jornais como O Estado de S. Paulo tiveram uma visão mais crítica da revolução.

Por que o senhor escolheu a deusa grega para fazer parte do título do seu livro Fotografia a Serviço de Clio?

Ela é a musa da época antiga da História, responsável pela guarda das memórias dos grandes feitos heroicos dos homens e semideuses.

Por que existem discordâncias a respeito do fim da revolução?

Alguns estudiosos dizem que ela começou em 1910 e terminou em 1917, com a promulgação de uma nova Constituição. Outros dizem que acabou em 1920, que é o período final da fase armada. Há os que defendam que foi em 1924, com o fim do governo de Álvaro Obregón. E ainda existe os que acreditam que acabou só em 1940, com o governo Lázaro Cárdenas, presidente que colocou em funcionamento vários artigos da Constituição de 1917, como a nacionalização do petróleo e a reforma agrária ampla. Eu acredito que terminou em 1920, com o fim do governo de Carranza.

Por que dizem que Pancho Villa se tornou uma figura mítica?

Francisco Doroteo Arango é uma figura emblemática, assim como Emiliano Zapata. Antes da revolução, trabalhou em fazendas e foi ladrão de cavalos. Era um bandido. Alguns o tratam como o Robin Hood mexicano. A população gosta dele porque roubava dos ricos para dar aos pobres. Há uma série de estudiosos que o tratam como o "bandido providência". Há os que dizem que era selvagem e não tinha controle sobre suas emoções. Foi um sujeito de seu tempo, onde a bandidagem na sociedade era endêmica.

Qual a diferença principal de pensamentos e intenções de Pancho Villa e Emiliano Zapata?

Pancho, que era do Norte, não pensava em devolução de terras, até porque a região era pouco povoada. Ele queria dividir as grandes fazendas nortistas para dar aos soldados. Já Zapata, que era do Sul, queria devolver as propriedades aos seus antigos donos, os índios, que perderam as terras entre 1910 e 1920. Villa não propunha uma grande transformação na sociedade: até levantava algumas bandeiras da reforma agrária, mas não baseadas na devolução.

É errado afirmar que a revolução foi um levante anti-imperialista?

Não. Uma das causas foi a reação ao imperialismo. Eu diria que a revolução foi de caráter social, da questão da terra. Em segundo, que foi política: o então presidente Porfírio abriu as portas do México para investimentos norte-americanos. Houve essa consciência nacionalista que conclamou um levante. Havia a exploração de mineiros, ferroviários, operários e camponeses. E por último credito a revolução ao levante contra o império.

Serviço:

As fotos dos Casasola estão sobre a proteção do governo mexicano e podem ser vistas no site: http://www.gobiernodigital.inah.gob.mx/mener/index.php?contentPagina=11. As fotos abaixo são de domínio público.

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