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Entrevista

Foz vira porta de entrada da cocaína

Londrinense, Delegado da PF revela que 70% da droga que entra no Brasil passam pelo lago de Itaipu

Confira o gabarito |
Confira o gabarito (Foto: )

Curitiba – A Polícia Federal ganhou uma batalha importante contra o narcotráfico na última terça-feira. A prisão de um dos maiores traficantes do mundo em São Paulo, o colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía, possibilitou desmontar uma rede extensa de lavagem de dinheiro ilícito formada por empresas e "laranjas" no Brasil. E a vitória tem a assinatura de um londrinense, o delegado Fernando Destito Francischini, atual chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da PF em São Paulo, que coordenou a operação. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele explica como funciona o combate ao tráfico de drogas no país e revela que Foz do Iguaçu virou a principal porta de entrada da cocaína vendida no Brasil.

O que tem dado certo na guerra contra o narcotráfico?A experiência mostra que não adianta apenas apreender o carregamento de drogas. Depois de um carregamento, vem outro. É essencial combater também o poderio financeiro dos traficantes, mantido com a lavagem de dinheiro. É o que se chama de "Visão Capitalista da Repressão do Tráfico de Drogas".

Hoje, quando você desencadeia uma operação contra o tráfico são iniciados dois inquéritos, um contra o tráfico de drogas e outro específico para a lavagem de dinheiro. A polícia não trabalha só para achar a droga, mas os bens, os "laranjas" envolvidos nas operações ilícitas. Só quando se bloqueia as contas bancárias, empresas e imóveis é que se atinge o alvo. Porque, do contrário, os criminosos têm dinheiro para continuar a controlar o tráfico de qualquer lugar, inclusive de dentro da prisão.

Vocês tiveram ajuda internacional para chegar até o Abadía?Sim. Fomos algumas vezes para os Estados Unidos para conseguir mais informações sobre o traficante. Pedimos a ajuda deles também para identificar pessoas em imagens ou em escutas telefônicas.

Quais são os meios mais utilizadas pelos criminosos para fazer a lavagem de dinheiro, legalizar os recursos obtidos no tráfico?A criação de empresas, de vários segmentos, ou a compra de imóveis, sempre em nome de "laranjas". É o que chamamos de "patrimônio aparente"; por exemplo, o criminoso mora numa casa que não está no nome dele e todo mundo sabe que é dele. No caso das empresas, normalmente são corporações administradas por "laranjas" que não chamam a atenção e sempre têm lucros astronômicos. Quanto aos imóveis, o dinheiro vivo é repassado ao "laranja", que adquire o local. Mesmo estando no nome dos "laranjas", o dinheiro movimentado é do traficante.

Por que os criminosos preferem se esconder em solo brasileiro?O Brasil é um país continental, onde ele pode facilmente ter bens em vários estados, o que dificulta o trabalho da polícia estadual. Por outro lado, há ainda a questão étnica. O Brasil não tem preconceitos contra estrangeiros, aqui eles não chamam a atenção, o que seria diferente em outros países. Tanto é assim que o passaporte brasileiro falso é um dos mais caros do mundo. No mercado negro ele é comprado por cerca de US$ 10 mil. Essa é uma das razões pelas quais o governo lançou o novo modelo de documento de passaporte, mais difícil de ser fraudado.

Como eles conseguem passar tanto tempo despercebidos?De fato, é muito difícil, são anos de investigação. Além de usar nomes falsos, eles adotam plásticas e disfarces. Por outro lado, esse nível de criminoso nem chega perto da droga para não correr risco de um flagrante. O empresário da droga apenas administra, não coloca a mão no entorpecente.

O Paraná atrai essas organizações de forma especial?O Paraná está em uma posição estratégica. Com o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) e o aumento da fiscalização no Norte do país, os aviões clandestinos de outros países reduziram a entrada para o Brasil pela Amazônia. Hoje, 70% da cocaína que entra no Brasil, produzida na Colômbia, Bolívia e Peru, passa pelo lago de Itaipu, na fronteira em Foz do Iguaçu. No caso da cocaína, o Brasil é rota para outros países, a droga é exportada por meio do Porto de Paranaguá ou o Porto de Santos. Já a maconha entra em solo brasileiro especialmente para o consumo.

Por onde começa normalmente uma investigação policial nesse ramo?Todo grande criminoso que se esconde no Brasil quer continuar usufruindo do dinheiro adquirido com o tráfico. Dessa forma, eles acabam deixando rastros e é normalmente por esses indícios que chegamos no alvo. Isso aconteceu no caso do Abadía e também em outras operações, como a que prendeu o "Mexicano" (o traficante internacional Lúcio Rueda Bustos), no ano passado.

O que mais o Brasil tem feito para vencer o narcotráfico?A Lei 9.613 de 1998, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores e criou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) possibilitou alguns avanços. A PF, por outro lado, enviou vários policiais para fazer cursos no exterior de repressão ao tráfico. Hoje a inteligência da polícia brasileira está entre as melhores do mundo.

Que alterações jurídicas podem ajudar a combater o narcotráfico no Brasil?Existe um projeto de lei tramitando no Congresso que modifica a Lei da Lavagem de Dinheiro. Hoje existe uma lista de crimes vinculados à lavagem de dinheiro. Caso você comprove a existência de dinheiro ilegal, mas não consiga relacionar a alguma dessas contravenções citadas na lei – porque não conseguiu provar que a receita é causada pelo tráfico de drogas, por exemplo -, a existência desse patrimônio não declarado é tratado apenas como sonegação fiscal, o envolvido paga multa na receita e pronto. Se for um traficante, terá mais tempo para fugir. Se a lei for alterada para qualquer tipo de crime será mais fácil fechar o cerco contra as organizações criminosas.

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