
Um dia após a explosão no restaurante Filé Carioca, na Praça Tiradentes,no Centro do Rio de Janeiro, que deixou três mortos e 17 feridos, o cenário ainda é de guerra na região. A Defesa Civil já está liberando a entrada de pequenos grupos no edifício para a retirada de pertences. Na quinta-feira (13), 66 pessoas puderam entrar na construção para resgatar documentos e objetos. Peritos aguardam o avanço da limpeza na área para começar os trabalhos no prédio.
Os primeiros grupos a subir foram os das salas dos últimos andares. Quem já desceu conta que o cenário é semelhante às cenas de filmes de atentados. Bruno da Silva Santos que trabalhava no departamento pessoal de um escritório de contabilidade, na cobertura do prédio, disse que subiu dois andares de escada no escuro junto com outros colegas de trabalho para buscar documentos e computadores. "Até o 4º andar está tudo escuro, cheio de poeira e portas quebradas. A gente nunca espera uma coisa dessa. Parece uma cena de atentado terrorista. Nessa hora, eu vi que a gente não está livre de nada", contou.
Muito emocionada, Dimar Pires aguardava o marido, Severino José de Oliveira, descer do escritório de contabilidade da família que funcionava no 7º andar desde 2004. "Perdemos tudo o que construímos. Vamos ter que tentar arrumar outra sala, pois a nossa não tinha seguro", afirmou a dona de casa, com lágrimas nos olhos.
Equipes de uma empresa terceirizada, contratada pela prefeitura, continuam a retirada de entulhos no local. O trabalho de limpeza deve durar até o próximo domingo.
"Estamos neste momento retirando o entulho que não compromete a estrutura física do edifício. As pessoas que trabalham nos escritórios já estão subindo no prédio, acompanhadas por técnicos para retirar documentos. Mas elas têm que sair rápido", disse o subsecretário municipal da Defesa Civil do Rio, Márcio Motta, descartando o risco de uma nova explosão.
Nesta manhã, uma retroescavadeira retira parte do concreto que desabou. O trecho entre a Praça Tiradentes e Rua Pedro Primeiro em frente ao edifício Riqueza, onde ficava o estabelecimento, continua interditado. A área ficará isolada até que seja concluído o trabalho de retirada do entulho, que deve prosseguir até o próximo domingo. O comércio na área está funcionando normalmente.
Integrantes do Movimento Morte Por Gás Nunca Mais estenderam uma faixa no local, onde houve a explosão.
Onze das 17 pessoas internadas já tiveram alta, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil. Segundo boletim do Hospital Municipal Souza Aguiar, que recebeu os feridos, três pessoas ainda estão em estado grave. Destes, um foi transferido para o Hospital Municipal Miguel Couto, na bairro da Gávea. Outros três estão sendo medicados e permanecem em observação.
As vítimas da explosão foram sepultadas nesta sexta-feira. O corpo de Matheus Maia Macedo de Andrade, de 19 anos, estava no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, na Zona Norte, onde foi enterrado às 13h. Josemar dos Santos Barros, de 30, o sushiman da casa, será sepultado no Cemitério de Jacarepaguá, no Pechincha. Já o cozinheiro Severino Antônio, de 45, será enterrado no Cemitério do Murundu, em Realengo.
Na manhã desta sexta, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Rio, coronel Sérgio Simões, afirmou em entrevista ao Bom Dia Brasil que a responsabilidade da explosão é do proprietário do restaurante. O estabelecimento usava botijões de gás no local mesmo sem a autorização dos bombeiros. O comandante-geral ressaltou ainda que a fiscalização existe, mas ressaltou que não era possível saber que o estabelecimento não cumpria as exigências da corporação
"Eu posso ter aprovado uma lanchonete onde não é permitido o uso de gás engarrafado ou canalizado e em determinado momento o proprietário resolver instalar lá", afirmou.
A hipótese mais provável para o acidente é um vazamento de gás, acondicionado em cilindros de GLP no subsolo do self-service Filé Carioca, no térreo do Edifício Riqueza. A fachada do prédio foi parcialmente destruída, corpos arremessados pelo forte deslocamento de ar podiam ser vistos no meio da praça e todo o entorno estava coberto de poeira e pedaços de concreto e vidro.
Pouco antes da tragédia, funcionários que chegavam ao trabalho sentiram cheiro de gás. O jornaleiro Jorge Luiz Rosa Leão, de uma banca próxima, contou que eles tentaram avisar o dono do restaurante. Dois deles, o cozinheiro Severino Antônio, de 45 anos, e o sushiman da casa, Josemar dos Santos Barros, de 30, morreram. Imagens de câmeras da CET-Rio registram a explosão. A terceira vítima foi Matheus Maia Macedo de Andrade, de 19, funcionário de um banco, que passava pela calçada.
No quadrilátero do prédio número 9 da Praça Tiradentes estão, entre outros pontos importantes, os teatros João Caetano e Carlos Gomes. O prefeito Eduardo esteve no local. "Ter ocorrido pela manhã evitou que a tragédia fosse maior", disse.
Bombeiros foram ao prédio em 2010
Irregularidades em série contribuíram para o acidente. Com um alvará provisório emitido pela prefeitura em 2008 - e renovado por cinco vezes -, o restaurante nunca havia sido inspecionado pelos bombeiros. Simões chegou a dizer que a existência do estabelecimento era desconhecida, que sequer constava do projeto de segurança contra incêndio enviado pelo condomínio à corporação.
"Este é um prédio anterior à legislação de segurança contra incêndios. Como ele precisava ser adequado, foram definidas todas as exigências necessárias, entre elas, a proibição de utilização de gás liquefeito de petróleo. O que significa dizer que no condomínio, que não tem gás canalizado, não poderia funcionar um restaurante. A norma foi transgredida deliberadamente pelo lojista. Era claramente um funcionamento irregular", afirmou.
Polêmica
Porém, em 2010, técnicos da Diretoria Geral de Serviços dos bombeiros estiveram no prédio para uma vistoria, em razão de um projeto apresentado pelo condomínio no dia 18 de maio daquele ano, pedindo o licenciamento de três lojas. Mas, de acordo com os bombeiros, nenhuma delas seria um restaurante. O pedido foi indeferido no dia 30 de maio. Por meio de sua assessoria, o Corpo de Bombeiros disse não saber informar se, na ocasião, o restaurante já estava funcionando. A fiscalização, explica os bombeiros, é feita mediante o recebimento de denúncias.
A concessão da licença de funcionamento é um capítulo à parte. O Filé Carioca - cuja razão social é Restaurante Inconfidência - obteve o alvará provisório em 20 de agosto de 2008. Para isso, não é necessário autorização do Corpo de Bombeiros, da Vigilância Sanitária ou de aprovação prévia do projeto pela Secretaria municipal de Urbanismo. Basta que a empresa tenha CNPJ, recolha as taxas para funcionar (que variam de acordo com o tamanho do negócio) e a legislação permita aquela atividade econômica no local desejado. Esta última exigência, por sinal, foi atestada por um fiscal da prefeitura. Ele esteve lá no mesmo ano e declarou que não havia empecilho para o negócio de alimentação.
A prefeitura alega que o fiscal não tem atribuição de verificar as questões de segurança. O processo não informa, porém, se o restaurante já tinha sido inaugurado. Depois de vencido o prazo de 180 dias do alvará provisório, ele foi renovado três vezes pela Inspetoria de Fiscalização e Licenciamento do Centro e outras duas vezes pela Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização da Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop). A prefeitura informa que não consta dos arquivos da Secretaria de Urbanismo pedido de licenciamento comercial do restaurante, imprescindível para a emissão do alvará definitivo.
Por uma ironia da burocracia, o restaurante tinha até quinta-feira para se adequar à legislação, nos cálculos da prefeitura, devido a uma notificação encaminhada no fim de agosto pela Coordenadoria de Licenciamento. Com a greve dos Correios, o prazo foi prorrogado até 28 deste mês.
A CEG, por sua vez, informou que não distribui gás ao prédio da Praça Tiradentes desde 1961. Mas tanto o Hotel Formule 1 quanto uma lanchonete, que ficam ao lado do restaurante, são abastecidos pela companhia. Embora ainda não tenham encontrado vestígios das peças, a polícia e o Corpo de Bombeiros têm informações de que havia no subsolo seis cilindros de gás industrial interligados, de 45 litros cada. O restaurante, segundo funcionários, consumia cerca de três cilindros por semana.
O síndico do condomínio, José Carlos Nogueira, explicou que o restaurante não era mencionado no projeto porque não pertence ao condomínio. "As lojas de rua não faziam parte do condomínio", alegou.



