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| Foto: MANDEL NGAN/AFP

Os campos de refugiados são as “cidades do futuro”. A declaração é do humanitário Kilian Kleinschmidt, que por 25 anos representou as Nações Unidas (ONU) em diferentes campos de refugiados ao redor do mundo. Entre eles o de Zaatari, no Norte da Jordânia, que a guerra na Síria tornou o segundo maior do mundo em um intervalo de dois meses.

A explosão no número de refugiados, nos últimos cinco anos, e o aumento do tempo de permanência dessas pessoas nesta situação revelaram uma crise de duas faces: de um lado, a necessidade de se adequar a infraestrutura dos campos, já que eles passam hoje por um processo natural e inevitável de urbanização precária; de outro, a necessidade de se receber esta população em áreas urbanas já consolidadas, com toda a complexidade envolvida no ato.

Leia também: “Nos campos de refugiados alguém faz de conta que está administrando”

Em visita ao campo de Zaatari, o jornalista Michael Kimmelman, do The New York Times, comparou o local às favelas do Rio de Janeiro e do Cairo, no Egito, com sua urbanização que segue uma lógica própria. Enquanto a área mais nova do campo aparenta um acampamento precário, a área da primeira ocupação, de 2012, tem ruas (algumas até pavimentadas) e postes de eletricidade. Tendas e lonas compartilham espaço com abrigos mais elaborados, alguns com cimento e concreto. Banheiros privativos e sistemas caseiros de esgoto são vistos aqui e ali. Como nas favelas, constatou Kimmelman, o campo permite uma espécie de ascensão social, ainda que em condições precárias.

Explosão

A ONU começou a monitorar o crescimento do campo de Zaatari em novembro de 2012. A primeira imagem de satélite feita no local detectou 5.163 abrigos em uma área de 216 hectares. Dois meses depois, em janeiro de 2013, o número de abrigos havia dobrado. Eram 11.966 – em uma área de 314 hectares. Em fevereiro daquele ano, o campo já chegava a seu limite, com 24.679 em uma área de 511 hectares. Na medição mais recente, de outubro de 2015, o campo ocupava uma área de 534,4 hectares, dividido em oito distritos, com 26.963 abrigos no total. Entre abril e outubro do ano passado, o campo passou por um decréscimo, com o fechamento de 4.310 abrigos. No mesmo período, 2.296 foram construídos. Queda de aproximadamente 7,76%.

“No Oriente Médio, nós estávamos construindo campos: instalações de armazenamento para as pessoas. Mas os refugiados estavam construindo uma cidade”, disse Kleinschmidt à revista de arquitetura Dezeeen. Em 2014, ele saiu do Alto Comissariado do ONU para Refugiados (Acnur) para criar a consultoria humanitária Switxboard.

Um exemplo da construção dessa cidade informal, segundo Kleinschmidt, está nas fontes de água montadas de improviso pelos sírios. “Uma fonte, uma árvore e uma gaiola de passarinho onde possam sentar para tomar chá é o que os sírios precisam para chamar um local de lar. E em Zaatari elas são vistas em todo lugar, até no meio das tendas”, conta Kleinschmidt. Fontes feitas de televisores, letreiros luminosos e até com o nome de seus donos, e que deram origem a um mercado.

Outro mercado nasceu da energia elétrica. Não há pontos de eletricidade nos abrigos, então os moradores puxam “gatos” da rede geral do acampamento, o que gera um passivo mensal de US$ 1 milhão para a Acnur. Quem faz o gato cobra até 30 euros por conexão, conta o humanitário.

Carregar o celular é o principal motivo para todo esse “comércio”. Quase todo mundo por lá têm um aparelho. A cada três, dois são smartphones, com acesso à internet. O WhatsApp é o meio de comunicação mais popular entre os refugiados, diz Kleinschmdt.

Em reportagem de setembro do ano passado, a revista Mashable mostrou que o os celulares são, literalmente, mais populares do que a água, em Zaatari. O principal motivo é que os aparelhos permitem o contato com parentes que ficaram na Síria, ou que imigraram para outros países.

Impressoras 3D e robótica. Não só de necessidades básicas vivem os campos para refugiados

Não só de WhatsApp vivem os refugiados no campo de Zaatari, na Jordânia. Equipamentos médicos e dispositivos de resgate são fabricados por impressoras 3D, no campo, em um projeto da Refugee Open Ware (ROW3D). No futuro, fabricar próteses para refugiados que perderam partes do corpo em conflitos, por exemplo, será uma das metas.

Por ora, a ideia é solucionar problemas imediatos, fabricando produtos emergenciais, e também capacitar os jovens que vivem nestes campos para produzirem sua própria tecnologia. Assim, no futuro, eles poderão recriar suas comunidades a partir de uma base atualizada de conhecimento.

O antigo representante da ONU no campo, Killian Kleinschmidt, diz que as agências humanitárias ainda veem “iniciativas do século 21” como essa com estranheza. Em entrevista à revista Deezen, ele defendeu que é preciso abolir a noção de que as pessoas pobres só pensam em sobreviver, e não podem ter acesso à robótica ou às impressoras 3D.

Casas

Em meio às tentativas de se melhorar as condições de vida dessas pessoas, uma solução surgiu a partir do desenvolvimento de uma unidade habitacional para refugiados (RHU, na sigla em inglês). Criadas pela Fundação Ikea, as RHU são casas modulares de 17,5 metros quadrados. Além de quatro janelas e uma porta (que pode ser trancada por dentro ou por fora), o abrigo tem uma cobertura de aço galvanizado, que é leve e facilita seu transporte. Ao mesmo tempo, essa cobertura é capaz de gerar energia o suficiente para acender uma lâmpada e abastecer uma tomada em formato USB, para carregar um celular.

Ainda que precária, a vida nas RHU é um salto em relação aos abrigos em tendas. Para as mulheres, significa inclusive proteção em relação ao assédio sexual. Mais de 7,3 mil unidades já foram distribuídas pela Acnur em colaboração com a organização não governamental Better Shelter em campos na Grécia, Iraque, e no Jibuti, na África.

“É claro que nós gostaríamos de dar um lar definitivo para todos. No entanto, isto não está nas mãos das organizações humanitárias. Neste contexto, e com isto em mente, nós fazemos o nosso melhor para melhorar a vida destas pessoas que vivem em situação de extrema vulnerabilidade”, disse em entrevista à Gazeta do Povo, a gerente de Comunicação da ONG, Märta Terne, ao ressaltar que, todos os dias, 42,5 mil pessoas viram refugiadas no mundo.

  • Visão geral do campo de Zaatari, na Jordânia, em foto tirada em setembro de 2015
  • Além das casas e abrigos, campo hoje abriga feiras, lojinhas e até equipamentos médicos
  • Antiga cozinha virou abrigo para família de refugiados
  • Falta de estrutura é um dos problemas. Na imagem, tendas derrubadas após temporal que atingiu o local
  • Campo parece uma pequena vila, com direito a antenas de TV e postes de energia elétrica
  • Imagem feito por refugiado em oficina de fotografia “Do you see what I see” (“Você vê o que eu vejo?”), organizada pela Acnur
  • Estudantes editam imagens feitas por eles, em workshop de fotografia
  • Obada, 14 anos, quer ser jornalista quando crescer. Ele fez esta foto, de um amigo seu
  • No campo de Zaatari, homem à esquerda observa emaranhado de fios na rede elétrica
  • Pequeno Asem estava “sonhando em ir para casa”, neste momento. Foto foi tirada por seu irmão, em oficina de fotografia no campo de Zaatari
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