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Pagar os ciclistas é a proposta de Milão para entrar no “Plano Bici”, anunciado pelo governo italiano, que liberou 35 milhões de euros para ciclomobilidade em todo o país. | Giuseppe Cacace/AFP
Pagar os ciclistas é a proposta de Milão para entrar no “Plano Bici”, anunciado pelo governo italiano, que liberou 35 milhões de euros para ciclomobilidade em todo o país.| Foto: Giuseppe Cacace/AFP

Para muita gente, trocar o carro pela bicicleta parece loucura. A comodidade e o conforto, somados à “cultura do automóvel”, pesam a favor dos motorizados. Os governantes sabem disso e algumas cidades resolveram pagar para o cidadão que for de bicicleta para o trabalho. Na França, cerca de 400 pessoas participaram de um projeto piloto, em 2014. Agora Milão, na Itália, estuda adotar sistema semelhante.

Pagar os ciclistas é a proposta da cidade para entrar no “Plano Bici”, anunciado pelo governo italiano, que liberou 35 milhões de euros para ciclomobilidade em todo o país. A ideia foi anunciada no início de fevereiro pelo assessor de Mobilidade da prefeitura de Milão, Pierfrancesco Maran, e foi noticiada por jornais locais.

O controle seria feito por meio de um aplicativo para smartphone, que pode controlar a rota or meio do sistema de GPS, segundo o gabinete de Maran revelou ao jornal inglês The Guardian. Mesmo que seja um sistema com falhas, não traria grande prejuízo ao usuário ou à administração pública, já que o valor investido deve ser pequeno.

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Mas, em escala, pode ser necessário um grande investimento. Em Massarosa, distrito pequeno na região da Toscana, também na Itália, é pago um valor de 0,25 de euro por quilômetro pedalado. O máximo que cada cidadão tem direito é a 50 euros por mês. Em uma amostragem de oito mil pessoas (número que a França tentou atingir, sem sucesso), por exemplo, o investimento público pode chegar a 4,8 milhões de euros ao ano.

Parece muito, mas não é, defende João Lacerda, da Associação Transporte Ativo, responsável por publicar o “Perfil do Ciclista”. “A bicicleta tira custos [do poder público], porque estou deixando de poluir o ar. Eu vou onerar menos o poder público porque minha saúde vai estar melhor”.

Levantamento da prefeitura de Copenhague, na Dinamarca, aponta que houve uma “economia socioeconômica” de R$ 0,88 para cada quilômetro pedalado na cidade em 2014, conforme estudo publicado no ano passado. No carro, o quilômetro rodado gerou um passivo de R$ 3,06. O cálculo leva em conta gastos com tempo de deslocamento e saúde (como acidentes, congestionamento, barulho e poluição).

O professor Alcindo Neckel, do núcleo de Mobilidade Urbana do Imed, de Passo Fundo, acredita que o município deve fazer de tudo para incentivar o uso da bicicleta dentro das cidades, que em 20 anos não vão mais comportar os automóveis individuais.

Experiência francesa

Durante seis meses, cerca de 8,2 mil funcionários de 20 empresas francesas tiveram a chance ir ao trabalho de bicicleta em troca de dinheiro: 0,25 de euro por quilômetro. Os resultados, divulgados pelo governo Francês, são tímidos. Apenas 419 pessoas aderiram à proposta. Destas, mais da metade (54%) eram usuários de transporte público. Apenas 19% iam para o trabalho de carro –boa parte destes no sistema de “carona solidária”. Por outro lado, antes do projeto apenas 200 trabalhadores destas empresas utilizavam a bicicleta. Significa um aumento de 50%.

Especialistas apontam que a política de incentivo à bicicleta teria de ser casada com restrições ao uso do carro. João Lacerda, da Transporte Ativo, alerta que, pelo contrário, hoje o automóvel tem privilégios. Pois embora o proprietário pague Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores(IPVA), custos como o da expansão da malha rodoviária são compartilhados com toda a sociedade.

O assessor de mobilidade da Secretaria de Trânsito de Curitiba (Setran), Jorge Brand, o “Goura”, alerta que a restrição ao automóvel não pode ser vista como uma “afronta” ao direito de ir a vir. Mas que o crescimento das cidades impõe uma revisão de privilégios concedidos aos carros, como estacionamentos públicos nas ruas, que podem ter que ser revistos para estimular outros modais.

Infraestrutura ou mudança cultural: quem vem primeiro?

A possibilidade de a prefeitura de Milão transferir milhares de euros direto para os bolsos dos ciclistas levantou uma dúvida. Este dinheiro não seria melhor investido em ciclovias e ciclofaixas? Para especialistas em ciclomobilidade, não é assim tão simples determinar qual investimento deve vir primeiro – em infraestrutura ou em mudanças culturais.

“São duas coisas que tem de andar juntas: esta cultura, que é uma corresponsabilidade de toda a sociedade, e o incentivo das rotas cicloviárias, que aí sim é parte do poder público”, acredita o assessor de mobilidade da Secretaria de Trânsito de Curitiba (Setran), Jorge Brand, o Goura. Ele acredita que a “cultura da bicicleta” deve levar de cinco a dez anos para causar maior impacto na sociedade brasileira.

Não há uma fórmula pronta para como o investimento em infraestrutura deve ocorrer. Um caso é o do Japão, onde há poucas ciclovias e muitos ciclistas. O segredo é a “cultura do compartilhamento”, já que lá há calçadas amplas em que a bicicleta é tolerada, acredita João Lacerda, da ONG Transporte Ativo. Além disso, a cultura oriental é favorável ao pedestre.

Ele cita a malha de ciclovias do Rio de Janeiro. Quando começou a ser construída, nos anos 1990, foi “onde era possível, sem qualquer política de valorização da bicicleta”. Hoje aumenta a conectividade destas rotas; como no caso da ciclovia ao longo da Avenida Faria Lima, em São Paulo, que foi ampliada para se conectar a outas ciclovias, e ganhou um estacionamento de bicicletas na estação de metro da Linha Amarela.

Goura cita ainda medidas de redução da velocidade na região central das cidades, como as adotadas por São Paulo e Curitiba. Faz “o carro andar em velocidade compatível com outros modais”, o que incentiva a noção de que a via deve ser compartilhada.

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