Moisés, Charles Darwin, Winston Churchill, Marilyn Monroe, Nelson Golçalves. Além do reconhecimento e da fama, eles tiveram outra característica em comum: a gagueira. São, portanto, prova de que a alteração na fala não é uma limitação impossível de ser superada. O assunto, que já foi tema de piadas e é cercado de preconceitos, voltou a ser discutido com a inclusão de um personagem gago na novela Belíssima, da Rede Globo. Embora na maioria das vezes em que aparece na mídia a gagueira seja tratada de forma caricata e estereotipada, a presença de personagens gagos serve para colocar em pauta a discussão sobre o distúrbio.
Estima-se que a gagueira afete cerca de 1% da população. No Brasil, portanto, seriam aproximadamente 1 milhão e seiscentos mil gagos. Embora o problema tenha tratamento e não seja mais encarado apenas como um fenômeno psicológico, os gagos ainda sofrem com o preconceito e as dificuldades do dia-a-dia. Situações corriqueiras, como falar ao telefone ou fazer compras, podem se transformar em um verdadeiro martírio. A empresária Ana Cristina Azevedo, 25 anos, é gaga desde pequena e já passou por muitos constrangimentos. "Na época do colégio peguei trauma mesmo, tinha colegas que tiravam sarro. Era horrível. Depois disso, evitei o quanto pude situações embaraçosas." No segundo grau e na faculdade, Ana explicava a situação aos professores e pedia para não fazer apresentações em sala. "Sempre ficava responsável por digitar ou montar as apresentações, por exemplo." A maior dificuldade está em falar ao telefone, já que não há como se fazer entender com a ajuda de gestos. "É muito chato quando desligam na sua cara, achando que é algum trote, ou quando você está tentando falar e ouve um suspiro do outro lado, ou risadinhas."
De acordo com a fonoaudióloga e presidente da Associação Brasil Gagueira, Sandra Merlo, o distúrbio se caracteriza pela repetição, prolongamento ou bloqueio de determinados sons. Para tentar mascarar a dificuldade, muitos gagos utilizam artifícios como o uso de interjeições, trocas de palavras, simplificação de frases ou movimentos compensatórios, como o piscar de olhos. Segundo a especialista, ao conversar com um gago não se deve tentar completar as palavras ou apressá-lo. "Esse tipo de coisa pode deixar a pessoa nervosa e piorar ainda mais a fala", explica.
Em geral, quanto maior a cobrança mais a pessoa gagueja. Isso talvez ajude a explicar a influência do distúrbio na hora da escolha profissional. Segundo Sandra, a maioria opta por profissões que exigem menos expressão oral. "Minha gagueira sempre aparece nos momentos em que estou nervoso, quando tenho que explicar algo que não domino ou falar em público", conta o consultor em segurança de redes Fabio Fiuza, 28. Em geral, a pessoa não tem controle sobre a fala. "A garganta seca e trava. Não sai nada ou se sai, sai pulando", conta.
Segundo a diretora da clínica de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Leomara Bürgel, o aparato fonoarticulatório do gago tem as competências e possibilidades normais. As causas podem ser genéticas, psicológicas ou decorrentes de alguma lesão no cérebro. Em média 70% dos gagos têm mais alguém na família com o mesmo problema. "Na maioria dos casos, a timidez e a insegurança não são a causa do problema, mas sim consequências."
Quanto mais cedo a gagueira for diagnosticada e tratada, maior a chance de cura. O ideal é que o tratamento comece antes dos 12 anos. Para Leomara Bürgel, o tratamento deve ser um trabalho conjunto entre fonoaudiólogos e psicológos.



