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Golpe de estado

Guerra Fria na América do Sul

Documentos comprovam que o regime militar brasileiro participou da conspiração para derrubar o presidente chileno Salvador Allende

Conheça os personagens mais importantes citados no documento revelado pelo governo norte-americano |
Conheça os personagens mais importantes citados no documento revelado pelo governo norte-americano (Foto: )
Palácio La Moneda, sede do governo chileno, sob ataque no dia 11 de setembro de 1973: Allende morre e começa o governo de Augusto Pinochet |

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Palácio La Moneda, sede do governo chileno, sob ataque no dia 11 de setembro de 1973: Allende morre e começa o governo de Augusto Pinochet

Richard Nixon disse certa vez que para onde o Brasil fosse, iria o resto da América Latina. Documentos recentemente revelados pelo Departamento de Estado norte-americano revelam que o presidente dos Estados Unidos não apenas acreditava na influência que o Brasil teria sobre seus vizinhos: Nixon contava com ela. O relatório feito pelo então secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, mostra que a reunião ocorrida entre Nixon e Emílio Garrastazu Médici em 1971 foi marcada por tentativas de influenciar a política latino-americana. Havia muitas coisas que o Brasil, sendo um país latino-americano, poderia fazer e que os Estados Unidos não poderiam, disse o republicano Nixon a um aparentemente cordato Médici.

Durante o encontro, os dois presidentes combinaram o que poderiam fazer em relação a vários países (veja ao lado). No entanto, o ponto alto do documento, tornado público em julho deste ano, é o acordo para uma possível derrubada de Salvador Allende da Presidência do Chile. O documento é a prova mais clara, até agora, da existência de um interesse real por parte do regime militar brasileiro em patrocinar um golpe de Estado no Chile.

A conversa sobre o Chile começa com Nixon perguntando se Médici acreditava que Allende, eleito no ano anterior, iria cair. O presidente brasileiro diz que sim, e que os motivos de sua queda seriam basicamente os mesmos que levaram à deposição de João Goulart no Brasil em 1964. O exército chileno teria condições de dar o golpe?, pergunta o americano. Médici responde que sim. E diz mais: que o Brasil estava fazendo "intercâmbio de oficiais" com o Chile naquele momento e que estava "trabalhando nesse sentido".

Nixon, em seguida, deixa de rodeios e vai direto ao ponto. Segundo a transcrição de Kissinger, o presidente dos Estados Unidos afirmou que "não poderia assumir o controle". "Mas se os brasileiros sentissem que havia algo que nós pudéssemos fazer e que pudesse ser de alguma ajuda nesta área, ele gostaria que o presidente Médici o deixasse saber. Se dinheiro fosse necessário, ou outra ajuda discreta, nós poderíamos ser capazes de providenciar."

O importante, Nixon deixava claro, era prevenir o surgimento de novos Allendes e Castros no continente. A resposta de Médici: "O Presidente Médici disse que ele estava feliz de ver que as posições e as visões brasileiras e americanas eram tão próximas", relata Kissinger.

Contexto

Para a professora de Relações Internacionais Cristiane Pe­­cequilo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o encontro de Médici e Nixon tem de ser entendido dentro do contexto da Guerra Fria. "O governo brasileiro tinha divergências com o governo norte-americano, que não concordava com a política de desenvolvimento do governo militar, por exemplo", diz ela. "Mas no campo ideológico os dois lados se entendiam perfeitamente. Brasil e Estados Unidos tinham todo o interesse em barrar o avanço do comunismo no continente", afirma.

Para a pesquisadora, os Es­­tados Unidos foram o verdadeiro "motor" do golpe contra Allende, ao lado do exército chileno (comandado pelo futuro ditador Augusto Pinochet). A participação brasileira, apesar da declaração de intenção de Médici, seria menor. No entanto, enquanto os documentos brasileiros sobre o tema não forem publicados é impossível ter certeza quanto a isso.

"Há vários anos, suspeitas da participação de Estados estrangeiros foram suscitadas em razão de depoimentos, biografias e declarações de atores chilenos e estrangeiros que vivenciaram o golpe de 1973", opina o professor Ricardo Seitenfus, doutor em Relações In­­ter­nacionais e professor titular na Universidade Federal de Santa Maria (RS). "A liberação de parte dos arquivos dos Estados Unidos confirma o fato. No entanto, falta ainda um trabalho de consulta, análise e interpretação do conjunto dos documentos a fim de retraçar o desenrolar de acontecimentos múltiplos e complexos", afirma.

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