
Depois de oito meses longe de casa, o caminhoneiro Ailton Cantele finalmente vai ver a família. Ele mora em Concórdia, Santa Catarina. Viajou durante quase um ano transportando cargas no Nordeste brasileiro. Apesar de ter trabalhado tanto, vai chegar em casa desapontado: a carga que pegaria em Curitiba para ser levada até Chapecó foi cancelada; por isso a viagem de volta ao lar terá de ser bancada pelo próprio bolso. "Quem tem conta para pagar corre. Eu não paro. O problema é viajar com a carreta vazia. É prejuízo na certa", diz.
A realidade de Cantele é igual à de vários outros caminhoneiros autônomos do Brasil. Eles correm contra o tempo, chegam a trabalhar cerca de 18 horas por dia e dormem apenas cinco horas por noite três horas a menos do que geralmente os médicos costumam orientar. Ficam pouco tempo com a família e não sabem o que é tirar férias. As conseqüências são visíveis: existem cada vez mais caminhoneiros com problemas de saúde.
Pesquisa feita pela Concessionária Rodonorte, com 2 mil caminhoneiros que passaram pelo trecho entre Curitiba e Ponta Grossa, aponta que 63% destes trabalhadores estão doentes. Por causa do sedentarismo e do excesso de peso, eles costumam sofrer de hipertensão, diabetes, obesidade e dores na coluna.
"Falta reeducação alimentar para este público. O problema é que eles não têm tempo para ir ao médico ou para fazer um exame. Aí, quando descobrem algo, ficam assustados", afirma o enfermeiro Jacir da Silva Pinto, que ajudou no levantamento dos dados para o programa Estrada para a Saúde, da Rodonorte.
Os hábitos de vida poucos saudáveis acabam refletindo no número de acidentes nas rodovias. De janeiro a maio deste ano, a Polícia Rodoviária Federal contabilizou 3,5 mil acidentes nas estradas federais do Paraná: 1,2 mil envolviam caminhões. O levantamento da PRF aponta ainda que, dos 1,2 mil acidentes com caminhoneiros, 419 ocorreram por falta de atenção do motorista, 437 por razões climáticas, 30 por ingestão de álcool e 26 porque o motorista dormiu no volante. Os outros fatores são animais na pista, velocidade incompatível e ultrapassagem indevida.
O programa Comando de Saúde Preventivo da PRF, que é desenvolvido nas rodovias federais desde 2002, chegou a alguns porcentuais comuns para os caminhoneiros, que acabam explicando a quantidade de acidentes: 45,5% dos entrevistados apresentam problemas de alcoolismo, 33,2% são obesos e 21,5% são hipertensos. A grande maioria, 95%, não se preocupa com uma dieta alimentar adequada.
Já virou estereótipo: quando se pensa em caminhoneiros, a imagem que se tem é de um sujeito gordinho. O caminhoneiro paulista Raimundo Soares de Freitas, 28 anos na boléia, é só risadas quando questionado sobre a alimentação. O colesterol dele chegou a 700, quando a média de uma pessoa saudável não pode ultrapassar os 200. "Hoje comi uma costela bem gorda. Abandonei o regime porque o médico disse que era para eu comer menos e tomar remédio. Se não posso comer, não vou tomar nenhum medicamento", conta.
A alimentação rica em carboidratos, com carne gorda, arroz e massas é a base das refeições de quem vive nas estradas. Além de não terem um horário e um lugar determinado para almoçar, os caminhoneiros costumam fugir das verduras, frutas e legumes por causa de uma crença antiga entre os profissionais: é o tipo de alimento que "não dá sustento".
Segundo a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), o Brasil tem hoje 995 mil caminhoneiros autônomos que compõem uma frota de 1,55 milhão de veículos no Paraná são 78,5 mil profissionais e 111,6 mil veículos. Isso significa dizer que há quase um milhão de trabalhadores que sofrem diariamente com as conseqüências de quem vive do sustento da boléia.
A pesquisa da Rodonorte mostra que 63% dos caminhoneiros atendidos dirigem entre 14 e 20 horas por dia. E o pior, grande parte diz não saber o que é tirar férias. "Não existe lazer e descanso para nós, que trabalhamos por conta. A sorte é que somos teimosos", comenta Rubens Soares, há 30 anos nas estradas brasileiras.




