
A jornalista e historiadora da arte Maria Alice Silverio Lima podia jurar que os uniformes seguiam a moda, ajustando-se ao sobe e desce das saias e às cores da estação. Mas se enganou. A partir de 1997, quando começou a investigar esse assunto de pouca tradição nos círculos acadêmicos, a pesquisadora descobriu que a ideologia educacional de cada época tem mais poder sobre a roupa que os alunos usam do que se pode imaginar.
Foi o que bastou. Em alguns anos, Maria Alice não só se tornou uma referência em uniforme escolar, como organizou um livro e uma exposição itinerante. Ao se divertir vendo saias de tweed, boinas e coletes usados pelas vovós em tempos idos, o público via passar debaixo de seus olhos a mentalidade que regeu a educação brasileira desde o final do século 19, assim como os conflitos sociais que se refletiam nos colégios.
No tempo em que as escolas eram apenas para os ricos, por exemplo, nem sequer havia uniforme: a formalidade já vinha estampada nos trajes da elite, dada a babados e a imitações de roupas de marinheiros. Ao chegar aos mais pobres, no entanto, a escola precisava vesti-los. E o fez colocando-lhes fardas, que nos tempos de império não servia para igualar, mas para distinguir: os meninos, qual militares, eram além de miseráveis, não raro órfãos. E o estudo uma esperança de serem alguém.
O uniforme, mostra a pesquisadora, só vai ganhar sentido positivo após a Primeira Guerra, quando passa a servir para igualar os diferentes, no melhor do estilo "a escola é para todos". O figurino ganhou muita calça azul marinho e camisa social alguns laços e calções de ginástica tão grandes para as meninas que sensualidade, só se fosse na imaginação dos poetas. "É desta época a criação do uniforme das normalistas, que inspiraram músicas e poemas", lembra a estudiosa.
Como se sabe, gastou-se muito menos pano a partir dos anos 60 época do iê-iê-iê para se protestar contra o regime militar, em ruidosas passeatas. A vitória a partir daí foi das democráticas camisetas. A moda escolar se tornava "nada muito rígido", como de todo o resto. Foram-se os "ditados" e junto com ele as gravatinhas.
Quanto aos dias de hoje, o uniforme até pode ser discreto e sob medida para deitar na grama ou sentar no chão do pátio mas a cor, o talhe e a logomarca servem de marketing para as escolas, em especial as particulares. Burlar a regra como de praxe é regra. "Nos anos 60, as meninas enrolavam a saia escolar na cintura para que ficasse mais curta. Hoje, compram a blusa menor para ficar de umbigo de fora", diverte-se Maria Alice. É proibido. Mas como em outros tempos, "é proibido proibir". (JCF)



