
A 2ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial terminou no último domingo com um intenso debate entre sociedade civil e governo sobre as áreas em que as políticas públicas necessitam avançar e, principalmente, a respeito do Estatuto da Igualdade Racial, em tramitação no Congresso Nacional.
Representantes de movimentos sociais cobraram mais recursos para as ações e empenho na divulgação dos resultados já obtidos a partir dos programas em áreas como saúde, educação e trabalho. Os delegados sugeriram que seja garantido orçamento no Plano Plurianual para a execução de políticas de igualdade racial, especialmente no que diz respeito às ações com comunidades quilombolas e povos indígenas.
O Movimento Negro Unificado (MNU), uma das entidades que defende a garantia de financiamento para as políticas, criticou o Estatuto da Igualdade Racial por considerar que não assegura os recursos necessários. O projeto original tramita há quase dez anos no Congresso e chegou a ser aprovado no Senado. Atualmente, um texto substitutivo está em fase de discussão e votação em comissão especial da Câmara dos Deputados.
"O Estatuto da Igualdade Racial da forma como está no substitutivo retrocede. Somos favoráveis, mas não com essa configuração", disse a coordenadora nacional do MNU, Vanda Pinedo, durante os debates na conferência. "Vamos trabalhar para a aprovação do Estatuto e da lei de cotas da forma como estão porque acreditamos que são os textos possíveis dentro da atual correlação de forças políticas", rebate o ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Edson Santos. Na avaliação dele, a posse de terra quilombola está garantida no Artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição e o esforço dos movimentos sociais deveria ser em defesa do decreto que regulamenta esse artigo, questionado pelo Democratas (DEM) em ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na plenária final, após uma série de discussões, foi aprovada a defesa do Estatuto da Igualdade Racial e também de uma articulação para que o novo texto garanta os direitos à terra das comunidades quilombolas, a atenção à saúde, a liberdade religiosa e às cotas como instrumento de ação afirmativa.
Cotas e terras
O debate sobre o Estatuto vem gerando polêmica há tempos. O projeto tem pontos como a reserva de vagas para afrobrasileiros nas universidades federais e o favorecimento de empresas que empreguem negros. Também prevê a obrigatoriedade de 20% de afro-brasileiros na programação das televisões e em peças publicitárias.
O deputado Abelardo Lupion (DEM-PR) afirma que parte dos congressistas é contrária à aprovação de quatro pontos do projeto. O primeiro se refere à titulação de terras aos quilombolas. Para o grupo, somente os remanescentes de quilombo que estavam nas propriedades até o ano de 1988 teriam direito. Quem ocupou terras depois desta data não teria direito. O segundo ponto são as cotas. Para os deputados, não pode haver diferença entre estudantes brancos e negros oriundos de escolas públicas. "Aí sim seria uma discriminação. Não dá para punir alguém simplesmente pela cor da pele". O terceiro ponto é a presença de no mínimo 20% de afrobrasileiros na televisão e em peças publicitárias. "E se for um filme sobre os Vikings, por exemplo?", questiona.
As críticas do deputado são rebatidas por alguns especialistas. Para eles, a temporalidade na questão das terras quilombolas pode resultar em injustiças. Isso porque mesmo depois de 88, muitas comunidades foram vítimas de grilagens de terra. Ano passado, residências de uma comunidade em Doutor Ulysses foram incendiadas. Em relação às cotas, o argumento é que os brancos têm em média quase dois anos a mais de estudo que os negros de acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Brancos têm vantagem no porcentual de analfabetismo. Os afrobrasileiros têm uma taxa duas vezes maior. Dados do Ipea também mostram que os negros têm menores salários e expectativa de renda. Uma mulher negra ganha em média um terço do salário de um homem branco.
O professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros (Neab) da Universidade Federal do Paraná Paulo Vinícius Baptista da Silva afirma que é importante debater ações afirmativas. Ele acredita que o Estatuto é boa iniciativa, mas ainda não é suficiente, principalmente pelas intervenções que o projeto original sofreu no Congresso Nacional. "A lei não garante a mudança, mas cria instrumentos para que isso ocorra. É uma normativa importante que ampara um grupo com dificuldade de acesso a determinados bens."
O militante e presidente da Associação Cultural de Negritude Popular (Acnap), Jaime Tadeu, afirma que o Estatuto atende a uma reivindicação do movimento negro e é a única ferramenta que pode consertar as desigualdades estruturais entre negros e brancos brasileiros. "Tenho 23 anos de luta no movimento negro. São demandas antigas. A lei vai ajudar a transformar este país." Ele diz que quem questiona o estatuto são aqueles que sempre estiveram no poder. "São pessoas que não querem uma transformação profunda no país."
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As políticas de cotas garante o direito à igualdade?
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