
Imagens gravadas por uma câmera de monitoramento da prefeitura de Curitiba mostram o momento em que dois homens jogam um líquido inflamável em um morador de rua e, em seguida, ateiam fogo. A informação foi revelada ontem pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil. As imagens não foram divulgadas. O morador de rua foi incendiado na quinta-feira à noite, na Rua Pedro Ivo, próximo ao cruzamento com a Rua Desembargador Westphalen, no Centro.
Segundo a delegada chefe da DHPP, Maritza Haisi, as gravações mostram dois homens caminhando pela rua onde o caso foi registrado. Eles param próximo a um morador de rua, mas, poucos segundos depois, seguem adiante. Em seguida, chegam até a vítima e ateiam jogo.
Segundo a delegada, não é possível afirmar qual a motivação do crime. Vingança ou acerto de contas são algumas hipóteses com as quais a DHPP trabalha. Sobre os possíveis autores, a delegada acredita que não seriam moradores de rua. "Com a investigação vamos levantar se eles já conheciam a vítima", disse. A polícia busca outras imagens de câmeras da região e testemunhas para prosseguir na investigação.
A Polícia Civil ainda não confirmou a identidade do morador de rua, mas, a princípio, o nome dele seria Nilson Barbosa. Com essa identificação, há possibilidade de que o homem tenha passagem pela polícia. Mas a DHPP esclarece que esta identidade depende de confirmação de dados.
Atendimento
O homem foi encaminhado ao Hospital Evangélico, onde chegou consciente. Segundo o cirurgião José Luiz Takaki, o paciente teve queimaduras de segundo e terceiro graus na cabeça, rosto, tórax e no braço direito. Ainda conversando, contou como sofreu as queimaduras. "Ele disse que dois homens jogaram um líquido inflamável sobre ele e, em seguida, acenderam o fogo", disse o médico.
A vítima teve 35% do corpo queimado e, por causa da gravidade dos ferimentos, foi entubado e está internado na Unidade de Terapia Intensiva 2. O estado de saúde dele é considerado gravíssimo. "Somente após 15 dias, quando passar a fase de trauma, é que poderemos ter um prognóstico de sobrevida", apontou Takaki. "Mas essas primeiras 72 horas são fundamentais."
Investigações
Algumas pessoas tentaram socorrer o homem. Um motorista teria parado e usado o extintor do carro para conter o fogo. As chamas foram apagadas e o morador de rua precisou ser socorrido pelo Corpo de Bombeiros, conforme informações do Paraná On-line. O uso do extintor, porém, agravou ainda mais as queimaduras por causa da composição química, de acordo com o Hospital Evangélico.
Sete moradores de rua foram assassinados em um ano e meio
Em fevereiro, o carrinheiro Antônio Ribeiro Cordeiro, de 25 anos, conhecido como "Bocão", foi morto a pedradas, próximo ao Teatro Guaíra. Ele morava na rua e vivia nas imediações da Praça Eufrásio Correia, onde era conhecido por moradores, comerciantes e frequentadores do teatro. Bocão foi o último morador de rua assassinado em Curitiba. Desde fevereiro de 2013, outros cinco homens que vivam nas ruas foram mortos na capital.
Dos seis casos registrados no último ano e meio, a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) considera quatro deles já elucidados, com indicação de autoria do crime (o que não significa que o assassino foi preso). Os quatro, segundo as autoridades, foram motivados por brigas ou desentendimentos entre moradores de rua. "Esses moradores de rua trabalham e guardam com eles algum dinheiro e isso pode motivar o crime, ou podem acontecer desentendimentos entre eles, potencializados pelo uso de entorpecente ou bebidas. De todos os casos, nenhum está relacionado a preconceito", disse a delegada Maritza Haisi, chefe da DHPP.
Márcia Fruet, secretária da Fundação de Ação Social (FAS), critica a tendência de as investigações que envolvem moradores de rua concluírem que a autoria é de outros moradores, o que daria por encerrado todo o processo de apuração de maneira muito rápida. "Tudo se resolve dizendo que é briga de moradores de rua. Temos muitos casos que foram resolvidos desse jeito. A investigação tem que ser feita, não pode tirar conclusão tão rápida. Não se pode limitar a investigação a uma suposição", ressalta.
Ela conta que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público do Paraná e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa estão se articulando para cobrar a investigação do caso. "Se se confirmar que foi outro morador de rua, tudo bem. Mas não pode concluir isso e não fazer mais nada".
Casos
16/fev/13 José Carlos Faria, de 39 anos, dormia sob uma marquise, na Rua Euclides Bandeira, Centro Cívico, quando teve o corpo incendiado. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu. Situação: caso não solucionado.
17/fev/13 Daniel Gonçalves Ramos, de 30 anos, conhecido como "Gordinho", foi assassinado a golpes de faca. Outro morador de rua se entregou à polícia, disse ter sido o autor do crime, motivado por "vozes" que ouvia. Situação: elucidado.
30/out/13 Uma briga entre homens que vivem nas ruas terminou com a morte de Maicon Loan Bandeira, de 23 anos, que foi esfaqueado, no Centro. O autor do crime foi identificado como Fábio Rodrigues Alves, que segue foragido. Situação: elucidado.
30/nov/13 - Eli Marcos Galdino, 46, morreu vítima de diversas facadas na Praça Rui Barbosa. À época, a polícia chegou a divulgar um vídeo, onde apareciam um homem e uma mulher como suspeitos. O assassino foi identificado como Wesley de Souza Alves, que também seria morador de rua. Situação: identificado.
23/dez/13 Um morador de rua não identificado, de aproximadamente 60 anos, morreu depois de ter sido agredido e de ter o corpo incendiado, no bairro Portão. Situação: caso não solucionado.
24/fev/14 O carrinheiro Antônio Ribeiro Cordeiro, o "Bocão", de 25 anos, foi morto a pedradas, nas imediações do Teatro Guaíra. O assassino foi identificado como Ivo de Oliveira Lima, outro morador de rua que queria roubar dinheiro que a vítima guardava. Situação: Elucidado.



