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Família

Incentivar filho a odiar os pais pode virar crime

Projeto de lei prevê punição para pais e mães que estimularem o rompimento entre os filhos e o ex-cônjuge

Sérgio Luiz Daitschman: o fim da vida conjugal comprometeu a convivência com os três filhos | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Sérgio Luiz Daitschman: o fim da vida conjugal comprometeu a convivência com os três filhos (Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)

Desde 2005 o empresário Sérgio Luiz Daitschman passa o dia dos pais sozinho. Ano passado ele chegou a fazer um anúncio em um jornal para lembrar a data e dividir com outros pais a dor de passar esse dia sem os filhos. Há cinco anos ele a companheira se separaram, mas o fim da vida conjugal levou embora a convivência com os três filhos, que, assim como a ex-esposa, não aceitavam o fim do casamento. Desde então, o contato entre eles se resume a esparsas conversas anuais. O mais novo ficou sem ver Sérgio por quase dois anos. Nos aniversários eles não se falam e, quando o empresário tenta encontrá-los, surge sempre a mesma informação do porteiro: " Não estão em casa".

Para muitos casais, o fim do relacionamento significa também o fim da convivência saudável com os filhos. Este conflito sempre aconteceu, mas foi na década de 80 que um especialista norte-americano o nomeou. O psicanalista Richard Gardner criou o termo Síndrome da Alienação Parental, definido como a situação em que um pai ou uma mãe "treina" o filho para que ele odeie e rompa os laços com o outro cônjuge. A gravidade é tanta que a criança interioriza esse treinamento e passa, ela mesma, a agir desta forma.

O maior problema apontado por especialistas é que a Justiça é muito morosa. A comprovação da ocorrência da síndrome pode levar anos. Uma pensão que deixa de ser paga, por exemplo, pode ser reavida com juros e correção monetária. Mas o rompimento de laços afetivos e falta de convivência com um dos pais pode deixar sequelas para sempre e a relação entre pais e filhos pode nunca mais voltar a ser como antes. Para os especialistas, somente agora o Judiciário passa a abrir os olhos para este mal.

Outro ponto criticado é a falta de punição para os alienadores. Em alguns locais da Europa e dos Estados Unidos, quem comete este tipo de prática perde automaticamente a guarda dos filhos. No Brasil, são raros os casos em que há algum tipo de punição. Para tentar modificar isso, o deputado federal Regis Oliveira (PSC-SP) propôs ano passado um projeto de lei tipificando o crime de alienação parental e estabelecendo punições como multa e suspensão da autoridade do alienador.

Sentença

Para especialistas, a Justiça é a forma mais rápida e eficaz de cessar a alienação. Geralmente o alienador tem plena consciência do que está fazendo e a autoridade do juiz, que pode destituir a guarda da criança, é o caminho mais curto para o fim do problema. Isso porque nem sempre o acompanhamento psicológico vai ajudar. O advogado Waldir Grisard Filho é doutor em Direito das Relações Sociais e afirma que a Justiça tem um papel essencial nessa hora. "Mesmo não sendo tipificado nenhuma sanção, o juiz pode tomar algumas medidas. Com o apoio de sua equipe técnica pode indicar tratamento psicológico e a mudança de guarda, por exemplo".

Alguns casos de alienação ocorrem também com avós e tios, mas acabam acontecendo mais com mulheres porque, na maioria dos casos, são elas que ficam com a guarda dos filhos após a separação. Com o companheiro distante, o ex-cônjuge encontra na guerra uma maneira de se consolar. Sem aceitar o fim do relacionamento, partem para o ataque. As ações começam com pequenos comentários como "seu pai não nos sustenta porque agora tem outra família" ou "você vai deixar a sua mãe sozinha para ir com seu pai?".

Com o tempo a situação pode evoluir para casos mais graves. A advogada especialista em direito da família Sandra Vilela conta que já teve um cliente acusado pela ex-mulher de ter abusado da filha na única visita que fez. Ficou comprovado que o pai nunca fizera isso, mas a mãe não recebeu nenhuma pena do juiz.

No caso de Daitschman, dois filhos já eram maiores. Mas as visitas ao caçula não chegaram nem a ser regulamentadas pela Justiça. Hoje todos são maiores, mas não comentam com o pai qual foi o motivo do afastamento. Ele afirma que o Judiciário poderia ter um papel mais ativo neste momento de fragilidade da família. "É preciso que alguém diga que a separação dos pais não quer dizer separação dos filhos e falta este acompanhamento".

Criança não deve optar por um lado ou outro

O alerta de especialistas é para que os pais ajam rápido. Ao perceber que o ex-companheiro está tendo uma atitude perigosa e começando o processo da alienação parental, o pai ou mãe deve procurar a Justiça imediatamente e também se cercar de cuidados psicológicos para o filho. "Por mais que a outra pessoa crie impedimentos, nunca se afaste do filho. Se não conseguir fazer visitas, passe ao menos na saída da escola para dar um beijo e dizer que o ama. Assim a criança vai constatar que o afastamento é uma mentira", afirma a advogada Sandra Vilela. "O filho não tem que escolher entre um lado ou outro. Se uma mulher foi traída por um homem, ele não traiu o filho, não o abandonou. É uma questão apenas do casal", diz a psicóloga Tamara Brockhausen.

A brecha para que comecem os problemas com a alienação parental é a falta de diálogo e planejamento do casal sobre como será a separação. "Então começa a disputa de quem vai dar a diretriz da educação e da vida do filho. Não há diálogo". A psicóloga diz que mesmo sendo um momento difícil, em que os ânimos podem estar acirrados, é importante a conversa.

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Interatividade

Familiares que incentivam o filho a odiar o pai ou a mãe depois de uma separação devem ser punidos de que forma?

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