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Tecnologia

Internet cria a geração de “hipocondríacos cibernéticos”

O acesso a informações pode facilitar o sucesso do tratamento, mas também pode prejudicar ainda mais a já fragilizada relação entre médico e paciente

“Nem os médicos sabiam ao certo o que ela tinha, mas suspeitavam de que fosse artrite reativa. Joguei o tema no Google e apareceram coisas terríveis, fiquei apavorada, chorei, foi terrível.” Juliana Zanetti Gazaniga, economista e mãe de Pietra, de 4 anos, internada no ano passado com inchaço nas pernas e nos pés | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
“Nem os médicos sabiam ao certo o que ela tinha, mas suspeitavam de que fosse artrite reativa. Joguei o tema no Google e apareceram coisas terríveis, fiquei apavorada, chorei, foi terrível.” Juliana Zanetti Gazaniga, economista e mãe de Pietra, de 4 anos, internada no ano passado com inchaço nas pernas e nos pés (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)

A facilidade de acesso a informações sobre saúde e medicina na internet fez surgir o que os médicos chamam de paciente informado, aquele que chega ao consultório já palpitando sobre o próprio diagnóstico e que muitas vezes teima com o médico sobre sua condição. Se por um lado o acesso à informação pode facilitar o sucesso do tratamento, já que informado, o paciente pode buscar diagnósticos mais precocemente ou seguir as recomendações médicas de forma mais correta, por estar ciente das implicações da não adesão, por outro pode prejudicar ainda mais a já fragilizada relação médico-paciente. Uma pesquisa encomendada pela Microsoft sobre o comportamento de seus funcionários revelou que a busca de informações sobre saúde e medicina na internet pode ocasionar ainda outro problema: a "hipocondria cibernética". Ao pesquisar na rede sobre sintomas, doenças ou exames, o paciente tende a imaginar os piores diagnósticos. Para o estudo, foram analisadas as buscas relacionadas à saúde e entrevistas com 515 funcionários. A conclusão foi de que as consultas on-line aumentaram os temores dos usuários. Uma simples dor de cabeça, por exemplo, logo se transforma em um sintoma de um tumor cerebral.

Os pesquisadores perceberam que consultas para sintomas comuns como dores de cabeça ou no peito, tinham a mesma ou maior probabilidade de levar o usuário a páginas descrevendo condições graves do que a sites informando sobre condições benignas. Buscas por temas como "dor no peito" ou "tique nervoso" mostraram tanto resultados assustadores como condições menos sérias. No entanto, a pesquisa alerta para o fato de que as chances de o paciente sofrer de uma doença neurodegenerativa ou um enfarte fulminante são bem menores do que ele estar com uma simples indigestão ou tensão muscular, por exemplo.

De acordo com a pesquisa, cerca de 2% de todas as buscas analisadas eram relacionadas à saúde. Além disso, entre 1 milhão de usuários monitorados, 250 mil (25%) fizeram pelo menos uma busca médica durante o período do estudo. A pesquisa mostrou também que os pacientes tendem a aumentar a frequência das buscas. Cerca de um terço dos funcionários pesquisados relata que a primeira consulta levou a outras e que eles foram se informando cada vez mais sobre doenças mais sérias e raras.

O presidente do Departamento de Informática Médica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Rubens de Fraga Júnior, concorda que o uso da internet pode incentivar os "cybercondríacos". "O transtorno hipocondríaco é um problema da saúde mental, no qual a pessoa tem problemas físicos em razão de uma causa psicogênica. Eles sentem medo ou preocupação de sofrer de uma doença muito grave. Com a internet ficou muito mais fácil alimentar esse comportamento. Ela não cria hipocondríacos, mas pode mantê-los", diz.

Onde navegar

Se o fenômeno do paciente informado é algo estabelecido e já não pode ser ignorado ou evitado, cabe aos médicos orientar os pacientes sobre como e onde informar-se com segurança.

Na opinião dos especialistas, sites de busca como o Google não são os melhores meios de buscar informações médicas. "Não recomendo aos pacientes o Google para se autodiagnosticarem", alerta. "O ideal seria que, se eles querem ler algo na internet, procurem sites reconhecidos e confiáveis, como os de sociedades médicas, universidades ou governamentais." Ele ressalta que uma busca on-line jamais substitui uma consulta com um especialista. "Muitas pessoas acreditam que as ferramentas de busca na internet sabem mais que muitos profissionais médicos, isto é um erro cognitivo grave", defende.

Em sua tese de mestrado sobre as mudanças na relação entre médicos e pacientes com o advento da internet, defendida na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a pesquisadora Wilma Madeira da Silva demonstrou que 67,2% das pessoas admitem que as informações acessadas na internet servem para subsidiar as decisões sobre procedimentos relacionados aos seus problemas ou riscos de saúde. "Com o estudo descobrimos que a maioria acessa essas informações por interesse próprio com o intuito de complementar ou esclarecer de dúvidas surgidas após a consulta médica", observa.

A pesquisadora também quis saber quais sites os pacientes costumam acessar. "Verifica-se que não existe uma real concentração em sites considerados de referência para assuntos gerais da área da saúde", diz. "O que se vê é que eles citam sites específicos de determinada patologia ou acabam utilizando sites de busca como ferramenta para localizar outros sites que tratem dos temas desejados."

Para ela, os resultados da pesquisa também apontaram uma tendência de mudança na relação médico-paciente. "O paciente deixa o papel de submisso para ocupar uma posição de parceiro na troca de informação e na tomada de decisão quanto aos caminhos do diagnóstico e do tratamento proposto", diz.

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Interatividade

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