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Degas Maria Ti Oya: praticante do Candomblé, ela sofreu perseguição na rua e nas redes sociais. | Felipe Rosa/TRIBUNA DO PARANA
Degas Maria Ti Oya: praticante do Candomblé, ela sofreu perseguição na rua e nas redes sociais.| Foto: Felipe Rosa/TRIBUNA DO PARANA

Prática antiga, a intolerância religiosa tem também se refletido nas redes sociais e atinge diferentes credos. A história vivida por Dega Maria Ti Oya no fim de março em Curitiba e os fatos que ocorreram após refletem essa situação.

No fim da tarde de um domingo, ela estava com os três filhos , dois meninos, de 11 e de 9 anos, e uma menina de 14 anos. A família é praticante do Candomblé e todos usavam trajes típicos da religião. Degas passou em uma panificadora no Centro de Curitiba no caminho de casa. “Faltava uma pessoa para eu ser atendida quando vi um homem alto com uma camiseta escrito ‘Exército de Jesus’. Quando dei a partida do meu carro para voltar para casa, percebi que o homem com a camiseta e um outro entraram em um carro e começaram a nos perseguir.”

Preconceito é mais feroz na web, dizem especialistas

A intolerância e o preconceito são recorrentes no mundo real. Mas é na internet que ganha contornos de ferocidade. A falta do contato face a face é apontada pelo psicólogo e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Adriano Holanda como uma das explicações para isso. “A internet dá um espaço de segurança, fornece a ilusão de que se está autônomo. As pessoas não se comprometem tanto com suas opiniões, porque se tornam muito líquidas.”

O professor enfatiza que a virtualidade fornece um tipo de esconderijo. “Você lida com a aparência, não com objeto concreto. Com a fluidez das informações, as pessoas nem sempre estão se atentando para o que está acontecendo. É muito mais fácil aderir a um boato hoje do que antigamente. Aliado a isso, temos o fato que hoje as pessoas sentem muito mais uma necessidade de dar a opinião sobre o assunto, vivemos um ‘democratismo’ muito forte.”

O professor de ciências sociais na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Lindomar Boneti vê uma relação íntima entre o que ocorre no mundo material e o que ocorre no mundo virtual. Para ele, no fundo, o preconceito mais duro na internet reflete uma intensificação do aparecimento de correntes divergentes na sociedade.

“Por muitas décadas no Brasil éramos acostumados a olhar para a verdade de acordo com o convencional. Nos dias de hoje, começa a aparecer uma discussão em torno dos direitos das valorizações sociais. Os direitos dos negros, dos homossexuais, liberdade religião... Na medida em que isso aparece, aflora todos esses grupos que estavam acomodados historicamente.” O professor diz que não vê nisso algo que possa gerar violência generalizada. “É normal, as pessoas utilizam de todas as estratégias para mostrar uma opinião própria. [Na internet] extrapola da normalidade e vai para o agressivo. Não dá para levar isso de uma forma literal, é uma expressão.”

Amigos de Degas usaram as redes sociais para relatar a perseguição. O conteúdo foi curtido e compartilhado por algumas pessoas no Facebook. Mas logo uma página falsa criada em nome do projeto Gladiadores do Altar, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), surgiu ofendendo e ameaçando os adeptos do Candomblé.

“Nós vamos destruir vocês”, disseram os autores da página fake. Em outras postagens, a página também ofende evangélicos, gays, ateus e divulga montagens com imagens sagradas para algumas religiões. Em nota no site oficial, a IURD diz que nenhuma página ou perfil do tipo integra os canais oficiais da instituição.

Denúncia

Na internet ou no mundo real, histórias de ofensa aos direitos humanos envolvendo religião, gênero, etnia, idade e outros não faltam. Com base nisso, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH) tenta criar uma cultura de educação e denúncia entre as vítimas para mapear e combater esses hábitos. Desde abril, além do Disque 100, canal de denúncias para todos os tipos de violações de direitos humanos, entrou no ar a iniciativa Humaniza Redes. O site (www.humanizaredes.gov.br) é fundamentado em três conceitos: denúncia, prevenção e segurança. O portal foi concebido para receber relato tanto de violações ocorridas dentro quanto fora da internet. Há também um canal no Whatsapp (+55 61 9304-0021) para facilitar o atendimento das pessoas que forem vítima de algum problema relacionado aos direitos humanos.

Ouvidora nacional de direitos humanos, Irina Karla Bacci explica que o Humaniza Redes é um meio de centralizar denúncias e encaminhar para os órgãos responsáveis, uma vez que nem sempre fica claro a quem recorrer.

Ela cita o exemplo da chacina em Belém, em dezembro de 2014, quando policiais se vingaram de pessoas que moravam em um bairro em que um PM foi morto. Onze pessoas em cinco bairros foram mortas. Na ocasião, policiais foram às redes sociais para apavorar a população dizendo que ninguém devia sair de casa. “Nesse caso, fizemos uma averiguação e encaminhamos a quem tem atribuição de acompanhar, que é a Corregedoria da Polícia Militar do Pará. Eles agora estão fazendo as investigações.”

Irina lista outros exemplos que podem ser encaminhados pelo Humaniza Redes, como perfis de pessoas, canais, sites ou qualquer meio que incitem crimes sexuais, disseminem pornografia infantil, injúrias raciais, intolerância religiosa, entre outros.

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