Debaixo de pinheiros e araucárias, sob o céu cinza da tarde de ontem, 61 pessoas se despediram de Wilson Bueno cantando. No Cemitério Santa Cândida, João Batista Costa Santana, o irmão adotivo do escritor, ao ver o caixão descer, começou a entoar alto e muito emocionado: "Você meu amigo de fé meu irmão camarada, amigo de tantos caminhos, de tantas jornadas...".
Antes, o corpo de Bueno foi velado na Capela da Luz do Cemitério Municipal. Dezenas de pessoas passaram pelo lugar para se despedir do autor de Mar Paraguayo (1992), talvez o livro-síntese de sua obra, anunciando quase 20 anos atrás um escritor inquieto que faria tudo para não se repetir nunca.
O enterro ocorreu por volta das 17 horas. Sustentado por duas tábuas de madeira no túmulo, o caixão foi aberto mais uma vez para que todos se despedissem. Nesse momento, Santana que era toda a família que Bueno tinha além dos primos recitou versos do escritor Jamil Snege: "Já inspecionei a proa, amarrei a carga, desatei a vela. O vento sopra forte e enfuna meu coração de alegria. Agora é contigo, Senhor. Toma o leme e risca o rumo do meu barco não penses que irei por este mar sozinho". O mesmo texto fora lido no enterro de Snege.
Em seguida, dois homens com uniformes azuis cimentaram blocos de concreto sobre a cova enquanto as pessoas recitavam o salmo 22, da Bíblia ("O Senhor é meu pastor e nada me faltará...").
Querido
Basta conversar um pouco com os primos de Wilson Bueno para ver que era um homem querido pela família. Como escritor, deixa a vida para se unir a Manoel Carlos Karam (1947-2007), Valêncio Xavier (1933-2008) e Snege (1939-2003). "Ele era de uma profunda inquietação, sempre procurando algo novo, rompendo com paradigmas prontos", disse o escritor Paulo Venturelli. "Via a literatura como um experimento de carpintaria textual." Para Venturelli, é no trabalho sobre a palavra que reside a originalidade de Bueno. E é por causa dela que será lembrado.
Em livros como Cachorros do Céu (2005) e A Copista de Kafka (2007), o autor investia na linguagem e trabalhava o texto para defender sua visão do mundo e da literatura. "Ele fazia crítica social sem medo, mas o fazia de um modo artisticamente elaborado", disse o editor Rogério Alves, que levou Bueno para a Planeta.
Sobre o livro inédito, Mano, a Noite Está Velha, a sair no primeiro semestre de 2011, Alves diz que se trata da criação mais emocional de Bueno. "É um acerto de contas com a família e com a vida. Há um fundo autobiográfico, mas que se mistura com o imaginário", disse. Para o editor, Bueno contava que esse era o seu "livro da maturidade", "aquele que só poderia ser escrito por alguém que já viveu 60 anos".



