Brasília O delegado Paulo Lacerda promete, como seu último ato à frente da Polícia Federal, editar o Manual de Planejamento Operacional da instituição, que se propõe a dar um basta na chamada pirotecnia exibida em grandes operações. Pretende com isso acabar com a exposição de presos em situações vexatórias, uma das principais críticas à sua gestão. O manual impede a exibição de detidos diante de câmeras, restringe o uso de algemas a casos indispensáveis e cria mecanismos para proteger a imagem de acusados em início de investigação, sem rol de culpa formado. "A idéia é evitar exageros, mas sem prejuízo ao direito de informar da imprensa", explica Lacerda.
Com um pacote de normas rígidas, o manual é uma das principais propostas do grupo de trabalho criado há três meses pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, com o objetivo de humanizar e tornar mais transparente a ação policial. Segundo Lacerda, que integra o grupo, sugestões e críticas de setores inconformados com excessos policiais foram incorporadas ao documento. "Inovamos nos métodos para desarticular quadrilhas do crime organizado, mas falhas existem e com o manual elas serão eliminadas", afirma. "A nossa orientação foi sempre evitar exageros, mas é impossível controlar centenas de policiais em grandes operações", acrescenta.
Lacerda deixa o cargo de diretor-geral da PF para assumir a direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele será substituído pelo também delegado Luiz Fernando Corrêa, que até agora comandava a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça. Antes de deixar o cargo, porém, Lacerda quer deixar assinado o manual, que já foi analisado pela Assessoria Jurídica e pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
A saída de Lacerda encerra uma era da PF marcada por grandes operações com foco na corrupção e em quadrilhas do crime organizado. Em 393 operações realizadas de janeiro de 2003 a julho de 2007, a PF levou para a cadeia 6.256 pessoas, das quais 980 eram servidores públicos e 77 policiais federais. Muitos foram algemados ainda de pijama, diante da mulher e dos filhos, antes de serem exibidos pela TV para o país inteiro. Vários foram libertados em seguida, por falta de provas, e nem sequer foram indiciados.
Presos
Entre os presos em megaoperações figuram autoridades dos três Poderes - parlamentares, juízes, promotores, ex-ministros, ex-governadores, prefeitos, altos dirigentes de estatais e até delegados da própria corporação, acusados de envolvimento em crimes diversos, sobretudo corrupção. Foram também para trás das grades centenas de empresários de todas as áreas como banqueiros, empreiteiros, publicitários, industriais e altos executivos.
Tarso contou que vai manter essa política focada no combate à corrupção, mas com correções de rumo, para proteger a imagem dos investigados. Doravante, as operações da PF serão feitas com a preocupação de "evitar a exposição pública" de presos. "Precisamos garantir o direito à privacidade e evitar injustiças que às vezes ocorreram, com pessoas que foram expostas e depois inocentadas", explicou o ministro.
Uma das entidades que mais reclamaram da mudança no formato das operações da PF foi a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A entidade fez parte do grupo de trabalho que propôs o novo manual.
Delegados que participaram ativamente da era Lacerda vêem com alguma desconfiança a inauguração da nova fase, a partir da posse de outro diretor-geral. Alguns deles passaram o fim de semana limpando as gavetas e levando para casa pilhas de documentos secretos, papéis relacionados a operações futuras, que temem que venham a ser abortadas.
Indicado para a Senasp pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, Corrêa chega ao comando da PF com o apoio do PT, principal partido da base aliada, com o qual é afinado. Para reforçar os temores, Corrêa decidiu trocar todo o alto comando da PF, a começar pelo diretor da Diretoria de Inteligência Policial (DIP), Renato da Porciúncula, que deve ser substituído pelo delegado Daniel Lorenz, superintendente da PF em Mato Grosso. O diretor-executivo, Zulmar Pimentel, segundo da hierarquia da PF, deve dar lugar ao delegado Romero Menezes, superintendente em Pernambuco.



