
Há leis que mal nasceram e já estão fadadas à morte. São as chamadas "letras mortas". O Brasil costuma ser terreno fértil para este tipo de produção legislativa, seja na esfera nacional, estadual ou municipal. Desde o pedestre que atravessa fora da faixa ao dono de animal que não recolhe as fezes de seu cachorro e diga-se nunca foram punidos por seus atos , exemplos não faltam. Normalmente, trata-se de leis que preveem multas para serem aplicadas a transeuntes que cometem um ato ilícito (que não chega a ser um crime) em via pública. Sem aparelhamento para fazer valer a lei, a administração pública acaba ficando de mãos atadas e a lei desmoralizada.
Para o professor de direito administrativo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Romeu Bacellar, esta situação é comum no país porque o "legislador vive em outra realidade." "A lei é elaborada com os objetivos mais elevados, mas não dá à administração pública aparato necessário para cumpri-la", afirma. Segundo Bacellar, se a lei tem um timbre punitivo e a administração não consegue fazer valer a sanção, a tendência é que a norma vire letra morta e não seja seguida pela sociedade. "É uma reação em cadeia."
A superintendente de controle ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Josiana Koch, afirma que os esforços da pasta acabam se voltando para o que causa mais impacto. Por isso, quem joga um palito de sorvete na rua ou costuma pisar a grama nas praças públicas não sofre punição, embora exista uma lei municipal com previsão de multa para o infrator. "Nosso foco e esforços estão em aspectos mais graves." Segundo a Secretaria, nenhuma multa foi aplicada em Curitiba até hoje contra quem não recolheu as fezes de seu animal ou deixou de colocar focinheira nele, mesmo existindo previsão em lei para isso.
De acordo com advogado especialista em trânsito e presidente da Comissão de Trânsito da seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Marcelo Araújo, embora exista a previsão de punição para pedestres e ciclistas que não respeitam as regras de trânsito, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não traz um procedimento para isso. O resultado é que pedestre e ciclista não são multados no Brasil. "Não há no CTB processo administrativo para quem não seja proprietário de veículo ou condutor habilitado", afirma. Araújo defende que o Brasil crie procedimentos, a exemplos do outros países, para perseguir o infrator, mesmo quando ele não está no papel de proprietário ou condutor.
Educação
Para Bacellar, além de leis mais conectadas com a realidade da administração pública, a educação também pode ser uma saída. "Bons exemplos dignificantes têm mais poder do que normas legais." A educação é justamente a ferramenta que está sendo utilizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) desde que a Justiça Federal decidiu que o motorista do ônibus não pode ser mais multado no caso de o passageiro não usar cinto de segurança. "É uma lei complicada de ser aplicada. O motorista não tem como controlar o passageiro que não está usando cinto e nós não temos como multar o passageiro", explica o chefe do núcleo de comunicação da PRF no Paraná, Wilson Martines. "Usar CPF? Não é obrigatório ter CPF e nem ter CPF no local onde você mora. E se for criança?", indaga. Martines defende que a lei deveria prever a forma de cobrança em casos como esses.
A Diretoria de Trânsito de Curitiba (Diretran) também afirma trabalhar com a educação nos casos dos pedestres que atravessam fora da faixa ou dos ciclistas que não respeitam as regras de trânsito, já que a forma de cobrança da multa não está regulamentada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Para a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, em alguns casos a educação também surte mais efeitos do que a fiscalização. Além disso, diz Josiane, é menos onerosa do que um processo administrativo para cobrar uma pequena multa. Araújo, porém, discorda deste argumento. "O fato de haver um processo oneroso de cobrança não é desculpa, pois a finalidade da sanção é para que as pessoas não cometam mais infrações. A multa não foi feita para dar lucro."
Multa moral para quem não anda na linha
Nem fiscalização da administração pública, nem campanhas educativas. A ONG Árvore da Vila defende uma reprimenda moral contra quem finge não ver as fezes do próprio cachorro, joga bituca de cigarro no chão, suja a rua ou usa mangueira para varrer a calçada, por exemplo. A entidade criou um talão de Multa Moral com os dizeres "Muito bonito, hein? Você está se aproveitando da ineficiência da fiscalização para arrepiar o direito de outros cidadãos". O fiscalizador cidadão marca o quadrinho com a infração correspondente ou escreve o que viu, caso não conste na lista. Além disso, seleciona outros dois tópicos que dizem "por favor, sinta-se obrigado a doar R$ 50 para uma instituição de caridade" e "prometa nunca mais fazer travessuras nas ruas de nosso bairro (ou de qualquer outro)." Ainda que o infrator não cumpra com o que foi estabelecido pela multa moral, ele ficará, pelo menos, sem graça em receber a advertência. Qualquer um pode solicitar um talão de multa moral. Basta fazer o download do talonário no site da entidade www.arvoredavila.wordpress.com.
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