
É difícil pensar em literatura para mulheres no fim do século 19 e início do 20. O país ainda caminhava a passos lentos em direção à alfabetização do público feminino. Mas existia literatura e um grupo pequeno de leitoras: as mulheres de classe média, urbanas e, principalmente, professoras. Os textos eram romances açucarados, publicados em capítulos nos folhetins da época. Havia, é claro, discussão sobre moda e alimentação saudável. O conteúdo principal, entretanto, era a edificação da mulher para o lar. O jornal Penna, Agulha e Colher, que começou a circular por volta de 1917 em Florianópolis, dá uma ideia disso. Como o próprio nome sugere, os textos femininos traziam normas de conduta e as regras para se tornar uma mulher educada. "Já os romances garantiam o benefício de um final feliz, que normalmente era o casamento. Há de se lembrar ainda dos heróis e das heroínas que são sempre bonitos e dos vilões que são feios e malvados", explica a professora do programa de pós-graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Maria Teresa Santos Cunha.
A Revista da Semana, editada no Rio de Janeiro a partir do início do século 20, chega a ser engraçada para as leitoras atuais. Em uma coluna chamada "Damas em derretimento", aparecem belas mulheres praticando esgrima e um comentário sobre a foto: "Há uma viva atuação aqui e as duas lindas esgrimistas batem-se verdadeiramente em duelo não uma contra a outra, mas contra o inimigo comum, as banhas. Talvez porque estejam usando cintas esportivas, mas não queremos saber". A professora Maria Teresa lembra que os temas recorrentes da época insinuavam como as mulheres deveriam ser elegantes. Daí serem comuns assuntos como alimentação saudável e o horror à gordura, além de muitas fotos e textos pequenos sobre a moda (principalmente francesa), inclusive dos topetes mais modernos e dos tipos de beijo que deveriam ser dados no futuro marido.
No Paraná, as mulheres do Clube Curitibano se divertiam com as revistas Senhorita e Ilustração Paranaense. No caso da Senhorita, as capas normalmente eram de mulheres que contribuíam com a revista, escrevendo poemas e romances, ou de jovens que pertenciam à sociedade paranaense. Mas ao contrário da imprensa nacional, aqui no Paraná os textos iam além de fuxicos e beleza. Em uma das edições de 1920, da Senhorita, havia textos sobre a história de Rocha Pombo, sobre a ação da mulher na imprensa e ainda sobre a biografia de Anita Garibaldi. A professora Etelvina Trindade, autora do livro Clotildes e Marias: Mulheres de Curitiba na Primeira República, lembra que, até o início do século 20, as mulheres do Paraná tiveram uma certa liberdade porque a Igreja Católica, que era conservadora em relação aos textos femininos, tinha pouca atuação por aqui. O estado era filiado ao bispado de São Paulo o que reduziu o número de religiosos atuantes. "O que dominava o pensamento da sociedade e a educação das mulheres era a ideia dos livres pensadores. Não que eles quisessem algo diferente do que era exigido, mas a Igreja era bem mais restritiva", conta.
Somente a partir de 1930, quando o Paraná recebe o primeiro bispado, é que as normas de educação, incluindo os textos literários, passam a ser controlados rigorosamente. No Brasil, as restrições ocorreram em vários momentos. Eram proibidos romances que tivessem indícios, por exemplo, de que a personagem fugia para ir atrás do seu amor. Não poderia haver declarações explícitas de relação sexual e até de beijos. O máximo que acontecia era um olhar ou um desmaio e, depois, os filhos apareciam. "Isso não significa que as mulheres liam sobre determinadas condutas que deveriam ter e faziam aquilo sempre. Muitas chegaram a afirmar que liam para fazer justamente o contrário", explica a professora Maria Teresa. Mas isso era exceção.
De um modo geral, as mulheres, até hoje, continuam com representações sobre o que é o casamento a partir do que liam no passado. Como as leitoras desses textos eram professoras, em sua maioria, elas acabaram transmitindo esses valores aos seus alunos. "Às vezes, é um efeito dominó. Até a década de 40, afirmava-se que a profissão ideal da mulher era ser professora. É uma forma de maternagem simbólica, o que dificulta até hoje a união da classe para determinadas reivindicações. Algumas ainda acreditam que lecionar é apenas uma vocação ou dom, que não é correto buscar melhores salários", diz Maria Teresa.




