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Lentidão da Justiça cria imagem de impunidade

Morosidade das ações causa descrédito entre a população e gera transtornos para todos os envolvidos nos processos que se arrastam nos tribunais

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O andamento de dois processos que há anos se arrastam em tribunais traz à tona questões e dúvidas sobre a imagem e a celeridade do Judiciário. A Justiça fica desacreditada pe­­rante a opinião pública diante de casos como o julgamento de Beatriz Abagge, condenada na semana passada a 21 anos e quatro meses de detenção pela morte do menino Evandro Caetano, ocorrida há quase du­­as décadas, e a recente prisão do jornalista Pimenta Neves, 11 anos após o assassinato da ex-namorada Sandra Gomide. Impunidade? Excesso de recursos da defesa?

"Qualquer caso que se arraste por anos na Justiça, de fato, causa impunidade", opina o diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Edison Brandão. Para tentar contornar situações como essas, no início de maio, o presidente do STF, Cezar Peluzo, lançou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). A chamada PEC dos Recursos pretende dar eficácia imediata às decisões de segunda instância, acabando com o efeito suspensivo dos recursos aos tribunais superiores. A proposta, porém, de­­monstrou ser polêmica.

Transtornos

A verdade é que a falta de celeridade, além de afetar a imagem da Justiça, influencia diretamente a vida dos envolvidos, dizem os advogados. "Essa demora não é boa para o réu, que não consegue programar sua vida futura, com o peso da espada da Justiça na cabeça", diz Carlo Frederico Müller, ex-advogado de defesa de Pimenta Neves. "Faz 20 anos que Beatriz é escrava dessa história e vive o estigma de ‘bruxa de Guaratuba’", afirma o advogado de defesa de Beatriz, Adel El Tasse.

"Estes 19 anos que eu passei de sofrimento, eu não desejo para mãe nenhuma. A gente sempre esperava Justiça", disse Maria Caetano, mãe de Evandro. "É um sofrimento para todas as famílias, até para a própria Beatriz", reconhece o promotor Paulo Lima, que atuou na acusação no último julgamento dela.

Sistema descalibrado

Na opinião do advogado criminalista Francisco Monteiro Rocha Júnior, autor do livro Recurso Es­­pecial e Recurso Ex­­traordinário Criminais, o "sistema penal brasileiro é absolutamente descalibrado". "Há prisões que perduram por anos e, ao final, o réu acaba sendo inocentado e, por outro lado, pessoas que usam as falhas do sistema para protelar o início da pena que deveriam cumprir."

Segundo Brandão, em parte, o problema ocorre devido ao sistema recursal brasileiro. "Há uma quantidade de recursos ilimitados, recursos de recursos, que levam a demora excessiva." Para Lima, "a máquina de recursos" existente no sistema brasileiro, "desacredita a todos e é ruim para a pacificação social".

Müller, porém, defende que o problema não é efetivamente a quantidade de recursos existentes, mas a estrutura deficitária do Judiciário para julgá-los. "Se a defesa não cumpre o prazo, preclui [perde] o direito e prejudica o cliente. Com o juiz, [se demora], não acontece nada", diz.

PEC gera polêmica no meio judiciário

A proposta apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluzo, em forma de emenda constitucional (PEC), para trazer agilidade ao Po­der Judiciário, tem gerado polêmica entre juristas e magistrados. A ideia prevê eficácia imediata a decisões de segunda instância, acabando com o efeito suspensivo dos recursos endereçados aos tribunais superiores.

"No Brasil, o STF funciona co­­mo quarta instância e os Tribunais Superiores como terceira, e o acúmulo de serviço é responsável pela demora dos processos e pela sensação de impunidade contra a qual a sociedade reclama há anos", disse Peluzo, ao defender a sua PEC.

A proposta encontrou guarida na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). "Nos países de­­senvolvidos, a decisão é implementada depois do segundo grau", afirma o diretor da entidade Edison Brandão. "Defendemos um sistema mais democrático. Pode-se recorrer, mas implementa já a decisão judicial. Senão, a decisão do juiz passa a não ter validade nenhuma praticamente."

Resistência

A PEC, porém, enfrenta resistência dos advogados, que defendem que a proposta combate as consequências e não as causas da morosidade da Justiça. Segundo eles, a demora não ocorre pelo excesso de recursos disponíveis à defesa, mas, sim, pela demora do Poder Judiciário em julgá-los. "No processo penal, os recursos têm prazo entre dois e 15 dias. O restante do lapso temporal é de processo que fica parado em cartório, com o juiz, em trâmite, esperando expedição de notificação", explica o advogado criminalista Francisco Monteiro Rocha Júnior, autor do livro Recurso Especial e Recurso Extraordinário Criminais.

Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, os advogados estão sendo usados como "bodes expiatórios". "O fato é que o retrato da Justiça hoje no país exibe uma imagem de ineficiência, lentidão e atraso e, como ninguém assume a responsabilidade por isso, tornou-se cômodo transferir a culpa para o advogado – é o advogado que recorre, logo é o advogado que torna a Justiça lenta."

A PEC dos Recursos enfrenta resistências, inclusive, de integrantes do próprio STF. Além disso, a proposta contraria um entendimento do próprio Supremo. Em 2009, com base no princípio constitucional da presunção de inocência, o STF definiu o entendimento de que os condenados podem esperar em liberdade o julgamento de recursos. Até o argumento usado por Peluzo para defender a sua PEC – de que houve apenas uma reforma no mérito da decisão em favor da defesa, pelo STF, entre 2009 e 2010 – também está sendo usado contra a proposta.

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Interatividade

De que forma o Poder Judiciário poderia agilizar julgamentos e a execução de penas?

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