
Não há como precisar o valor de um livro de horas, até porque as poucas obras que existem no Brasil são de colecionadores particulares, pertencem a algum mosteiro ou estão na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. É certo, porém, que estes livros com aplicação de ouro e, algumas vezes, de pedras preciosas foram considerados tão valiosos na época em que foram produzidos entre os séculos 13 e 16 que fizeram parte do testamento das famílias ricas de antigamente. O mais comum era a herança do livro de mãe para filha. Uma visita ao setor de manuscritos da Biblioteca Nacional dá uma ideia da importância destas obras: lá estão guardados nove livros que eram da Real Biblioteca, entre eles, o que pertenceu a Dom Fernando, antigo rei de Portugal.
Os livros de horas da Idade Medieval são escritos à mão, em latim e ricos em figuras ilustrativas de formato miniatura eram feitos por monges e copistas. Parte dessas verdadeiras obras de arte recebia aplicações de folhas de ouro e pedras preciosas: a técnica é conhecida como iluminura porque faz com que as folhas brilhem. Estas obras eram confeccionadas, principalmente, aos reis e à nobreza em geral. Nem todos os livros, porém, foram tão valiosos assim. A decoração variava de acordo com a necessidade, o interesse e o poder aquisitivo de seu proprietário. O de Dom Fernando, por exemplo, é tão belo que está entre as obras raras do Brasil. Contudo, a população mais pobre poderia ter um livro de horas confeccionado de maneira bem mais simples.
Como os sacerdotes
A origem dos livros de horas está ligada a uma necessidade do homem cristão medieval: ele queria "imitar" os sacerdotes que, desde a criação do Direito Canônico, eram obrigados a dedicar as principais horas do dia às orações. Os padres, monges e freiras rezavam, então, a partir de um livro chamado breviário que continha um conjunto de orações que deveriam ser rezadas ao longo do dia. O problema é que o breviário era grande e muito caro. Por isso houve a necessidade de se criar algo menor, com textos mais resumidos, que recebeu o nome de livro de horas. "Muitas pessoas religiosas, que ficavam o dia todo em casa, queriam ter uma vida de oração semelhante a dos mosteiros. Para isso, elas compravam os livros de horas que, dependendo da classe social, eram preciosos na apresentação", explica o professor do Studium Theologicum de Curitiba padre Jaime Sanchez.
O nome livro de horas é uma referência às horas canônicas, ou seja, quais seriam (e são até hoje) os horários das orações. Padre Jaime explica que as principais horas do direito canônico são as matinas (por volta da meia-noite), as laudes (por volta das três horas da manhã), as vésperas (às 18 horas) e as completas, que são as orações rezadas antes do repouso da noite, cerca de 21h30. "Há ainda as horas menores, que não são cumpridas por todas as religiões católicas. São elas: prima (por volta das 6 horas), terça (9 horas), sexta (meio-dia) e nona (15 horas)", diz.
As figuras desenhadas nos livros muitas vezes eram relativas à Virgem Maria mostram o período da Anunciação e da chegada ao Egito, por exemplo. Como estes livros eram encomendados aos copistas, era comum que o nome do proprietário da obra estivesse escrito na peça. "Eles eram produzidos no pergaminho o que os tornou muito resistentes. Isto também permitiu que mães doassem a suas filhas estas obras de arte", afirma a diretora do Centro de Referência e Difusão da Fundação Biblioteca Nacional, Mônica Rizzo Soares Pinto.
Foi a partir do livro de horas que o leigo começou a ter uma espiritualidade mais individualizada, ou seja, uma forma de se comunicar com Deus sem a interferência direta da Igreja.
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Serviço
A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro dispõe no site www.bn.br o livro de horas que pertenceu a Dom Fernando, em formato digital, no arquivo Manuscritos. Pelo menos outros três devem ser digitalizados nos próximos meses.







