
Sem serem incomodados pela fiscalização, comerciantes de Londrina, Norte do Paraná, seguem o exemplo do comércio informal e não se constrangem em impedir calçadas com a exposição de tudo o que é proibido pelo Código de Posturas. Fora das lojas, não só produtos disputam espaços com os pedestres. Na Rua Sergipe, até manequins apoiados em árvores e placas ficam na calçada. Ainda na mesma rua, uma ótica recém-inaugurada "brinda" os pedestres com balões que formam um arco sempre na calçada.
Na Avenida São Paulo, a uma quadra do Terminal, Urbano, junto a dezenas de ambulantes ilegais, vendedores de passes de ônibus, cds e dvds piratas, carrinhos de frutas, verduras e frituras tomam as calçadas. Até mesmo uma movimentada loja de bolsas e materiais esportivos ocupa parte do passeio público com expositores cheios de bolas de futebol e bolsas.
Em um passeio a pé de 20 minutos por algumas ruas do centro São Paulo, Rio de Janeiro, João Cândido e Sergipe - a reportagem contou 11 vendedores de cds, quatro de bolsas e carteiras, oito de cintos e óculos, dois de perfumes, cinco carrinhos de frutas e verduras e, ao menos, cinco grandes lojas que fazem da calçada a extensão do próprio negócio. No meio da confusão, pedestres contam muito pouco e o que importa é vender.
Formais ou informais, comerciantes sequer demonstram receio de uma fiscalização. Para quem questiona a ocupação das calçadas, ameaças e impropérios como os colhidos ontem pela reportagem. Durante o mesmo período, diante de dezenas de irregularidades observadas, nenhum fiscal de posturas passou pelo local.
A multa para quem expõe mercadorias irregularmente vai de R$ 55,72 a R$ 1671,60, mas as autuações com base no Código de Posturas são tão raras que nem mesmo o presidente da Comissão de Avaliação de Multas da Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU), Rogério Kodane, lembra-se da última que viu passar por ali. "Pelo que me recordo, não há muitas situações desse tipo. A maior parte das multas é por publicidade irregular. Diante do que temos aqui, muito pouco refere-se a produtos em calçadas. É meio raro porque infelizmente o orçamento é curto. Não temos mesmo muitos fiscais."
"Em um dia como hoje, temos apenas dois fiscais para toda a cidade", conforma-se Wilson Galvão, chefe dos 18 agentes de posturas da CMTU. "Se o trânsito precisa de mais, sobram poucos para essas irregularidades." Na quarta-feira (10), enquanto o centro da cidade parecia terra de ninguém, a única dupla de fiscais estava na zona norte de Londrina.
Naquele momento, a obra de reforma da Avenida Winston Churchill, na zona norte, exigia agentes permanentes. "Roubaram mais de 100 cones de sinalização lá. Então, além dos cones, temos que deixar os fiscais também."
Cadeirantes
Era para ser uma visita de passeio tranqüilo em Londrina, mas tornou-se um tormento. Na quarta-feira, com a calçada totalmente bloqueada, a família do maringaense Antonio Peruzzi, 50 anos, 29 deles em cadeiras de rodas, tentava se locomover pela caótica Rua Sergipe. A saída radical não constrangeu quem ocupava a calçada ilegalmente. "Usar a rua é a única opção", lamentou ele, enquanto era auxiliado pela esposa, Regina, e o filho Bruno.
A reportagem acompanhou a família por quatro quadras até o estacionamento onde estava o carro. "Estou impressionado com Londrina. Em Maringá não é assim não." À frente de Antonio, andaimes de uma obra do lado esquerdo empurrava vendedores de cds, carrinhos de lanches e pedestres para a borda do meio-fio e seo Antonio para o meio da rua. "Em Maringá dá multa. Aqui não dá não?", questionava à reportagem.
"Eu não atrapalho ele não. Ele pode passar por aqui", respondeu a vendedora de dvds piratas, que, encostada no meio-fio sobre a calçada, era apenas uma das dezenas de obstáculos para quem não anda.
Ao lado dos ônibus na apertada rua, seo Antonio subia rumo ao estacionamento. Passado o maior sufoco, conseguiu um lugar na calçada restava agora apenas disputar o chão com vendedores de bolsas e pedestres apressados. No meio do caminho, a família estuda o trajeto para não esbarrar em mais dificuldades. Os planos, porém, são frustrados rapidamente: o péssimo calçamento, os buracos e a trepidação do piso fazem parafusos da cadeira se soltar.
Restou à esposa Regina carregar Antonio sem as rodinhas frontais da cadeira. Já perto do estacionamento, o inevitável desabafo. "O centro de Maringá é plano e não tem essa baderna no caminho. O respeito ao cadeirante é muito maior. O comerciante que coloca produtos no meio da via pública deveria andar de cadeira de rodas para sentir como é. Se coloquem no nosso lugar e vejam quanto é sofrido. Sou um cidadão como qualquer outro aliás, tenho até alguns privilégios em relação à locomoção. Mas infelizmente, privilégios na acessibilidade, numa cidade assim, não servem para nada."
Comerciantes se irritam com reportagem
Legais ou ilegais, comerciantes não aceitam ser questionados sobre o uso proibido das calçadas para exporem produtos das lojas. Um deles, dono de uma movimentada loja de artigos esportivos e bolsas, na descida na Avenida São Paulo, tem na ponta da língua a resposta para a infração. "Fazer jornalismo de picaretagem também não pode. Tem tanto jornalista picareta por aí. Sei onde você quer chegar..." Quando a reportagem insiste sobre as bolas expostas no meio do passeio público, a resposta é mais taxativa ainda. "Se a Prefeitura vier aqui, terá que ir na cidade inteira. Não sou um caso isolado. Que eu não sou o único errado não sou", confessa.
Durante a conversa, sobram discursos. "Não sou a favor de corrupção. Não "tô roubando, tô pagando meus impostos..." Na opinião do comerciante, os consumidores gostam de produtos nas calçadas "porque facilita para eles".
"Aqui não vem fiscal da Prefeitura"
A uma quadra dali, vendedores ilegais de dvds e passes de ônibus acomodados em banquinhos no meio da calçada são mais ousados ainda quando questionados pela reportagem. "Aqui não vem fiscal da Prefeitura não. Vem só repórter sem-vergonha com papelzinho na mão dar uma de bonzão. Tem gente que vem queimar nós aqui. Não adianta chegar com esse converseiro. Se não pode e vai tirar, tira logo. Manda os homi vir aqui tirar", desafiou um deles, sendo logo apoiado pelos colegas.



