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Perigo

Luta de risco

Falta de estrutura médica em eventos “clandestinos” de Artes Marciais Mistas (MMA) expõe atletas a ferimentos e sequelas graves. Pelo menos dois médicos e UTI móvel deveriam estar à disposição

O médico Oscar Achá, que trabalha em eventos de MMA em Curitiba, diz que trazer dois especialistas para as lutas sai caro para os organizadores | Henry Milleo/Gazeta do Povo
O médico Oscar Achá, que trabalha em eventos de MMA em Curitiba, diz que trazer dois especialistas para as lutas sai caro para os organizadores (Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo)
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Quem acompanhou o duelo entre Anderson Silva e Chael Sonnen, em Las Vegas (EUA), no último fim de semana, assistiu a um evento grandioso e cheio de pompa. Fora do UFC (Ultimate Fighting Cham­­pionship), porém, a estrutura é bem diferente. Em Curitiba, cidade que revelou Silva, eventos de MMA (sigla em inglês para Artes Marciais Mistas) contam com uma estrutura médica aquém do que especialistas e lutadores consagrados consideram ideal para garantir a segurança dos competidores. "No Brasil, o MMA ainda tem campeonatos clandestinos e sem estrutura médica", diz a ortopedista Vanessa Ribeiro de Resende, ligada à Confederação Brasileira de MMA (CBMMA).

De acordo com a entidade, eventos da modalidade devem contar com dois médicos especialistas – um traumatolo­­gista e um neurologista –, uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Móvel, no mínimo um socorrista e kit de primeiros socorros, com itens como cilindro de oxigênio. Além disso, os lutadores devem fazer exames antes dos combates, como o de HIV e de hepatite.

A Gazeta do Povo visitou quatro desses eventos nos últimos dois meses e encontrou problemas em três deles. Na Competição Amadora UDL (Universidade da Luta), cuja quinta edição foi disputada em maio deste ano, não havia médico nem UTI móvel, apenas kit de primeiros socorros e um socorrista. O Evolution Fight Combat 5 e a Copa Stricker’s House contavam com um clínico geral, mas não tinham ambulância. Já no Golden Girls, evento feminino de muay thai, havia UTI móvel e um clínico geral.

Emergência

Em pelo menos dois casos, os lutadores precisaram de atendimento médico especializado. Em um dos eventos da UDL, o socorrista Antônio Leite relatou que um lutador teve choque térmico ao sair com o corpo quente do octógono direto para a rua. "Ele teve uma arritmia acelerada, e tive de usar o oxigênio para controlar a situação. Mas sempre deixamos um hospital próximo do evento de sobreaviso, caso haja necessidade de remoção", afirmou.

Já no Evolution Fight Com­­bat 5, disputado no último fim de semana dentro da balada sertaneja Rancho Brasil, havia um clínico geral, mas isso não foi suficiente para resguardar a saúde dos competidores. De acordo com Guilherme de Carvalho, diretor-executivo da Federação Paranaense de MMA, familiares de um atleta que teve um sangramento no nariz reclamaram que o médico não conseguiu estancar o corte e não havia ambulância para levá-lo ao hospital. "Mas não pudemos intervir, pois o evento ocorreu sem a nossa chancela", explicou Carvalho.

Alan Marques, 16 anos, lu­­tou no evento na categoria Muay Thai, mas perdeu por decisão médica, após levar uma cotovelada no olho e correr o risco de ter sua retina descolada. Ele confirmou o sangramento do colega e criticou a estrutura médica do evento. "Tinha médico, mas não tinha ambulância. Fiquei assustado. Nunca mais participo de competições desse tipo", afirmou.

Risco calculado

Mesmo cientes dos riscos, lutadores em início de carreira acabam entrando no octógono em busca de projeção no esporte. Esse é o caso do curitibano Fernando Carlos Brasil Cabral Filho, 24 anos, o "Marrentinho", que tem quatro lutas no cartel, todas vencidas por finalização. "Infelizmente ainda não estamos preocupados com a segurança. Eu mesmo lutaria [sem médicos], pois tenho de pagar minhas contas, e uma luta surge a cada seis meses", afirmou o lutador, que se mantém dando cinco aulas diárias em academias curitibanas.

O cirurgião dentista Luciano Del San­­to, diretor do Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, alerta para os riscos de combates sem estrutura médica. "O MMA demanda médicos especializados, como um traumatologista e um neurologista. Com esses profissionais no local da luta, intercorrências podem ser diagnosticadas de forma mais precoce. Além disso, uma remoção para um hospital será realizada de forma adequada, evitando novas lesões", afirma.

Federações de MMA culpam o amadorismo

Diferentemente da estrutura em torno de esportes tradicionais do país, como o futebol, em que cada estado é representado por uma única federação, um emaranhado de federações estaduais e até duas confederações no país se valem de uma prerrogativa da Lei Pelé para difundir o MMA. No Paraná, a reportagem ouviu representantes de duas delas: a Federação Paranaense de MMA (FPMMA) e a Federação Para­naen­se de Boxe Tailandês e MMA (FPBT e MMA).

De acordo com Lauro Gus­tavo de Carvalho, presidente da FPMMA, a estrutura médica é tão importante quanto a arbitragem. "[A equipe médica] é fundamental para preservar a integridade do atleta, pois eles saberão quando parar uma luta em caso de necessidade. Nos nossos eventos, colocamos uma equipe de oito pessoas, inclusive dois médicos especialistas, e UTI móvel para dar o suporte necessário ao atleta", afirmou.

Na mesma linha, Júlio Bor­­ges, vice-presidente da FPBT e MMA, chega a estipular o porcentual de ilegalidade em Curitiba. "Acredito que tenhamos 90% dos eventos na clandestinidade, sem médicos e ambulâncias para garantir a segurança dos lutadores."

Licenças

A prefeitura de Curitiba informou não ter sido procurada por nenhum dos eventos citados na reportagem. Segundo a administração municipal, mesmo que a academia já tenha alvará de funcionamento, ela precisa solicitar uma nova autorização porque há cobrança de ingresso e precisa incidir o Imposto sobre Serviço (ISS). Já o Corpo de Bombeiros afirmou que não emitiu nenhum laudo liberando a realização de eventos de MMA em 2012.

MMA em Curitiba

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