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Curitiba

Mãe acorrenta filho dependente químico para evitar que ele roube

Drama expõe problemas sociais crônicos da Vila Pantanal, na região sul da capital paranaense

Mãe mostra as correntes usadas para prender o próprio filho | João Varella/Gazeta do Povo
Mãe mostra as correntes usadas para prender o próprio filho (Foto: João Varella/Gazeta do Povo)

Maria* saiu para trabalhar na quinta-feira (27) acorrentada ao filho Ângelo*, de 14 anos. Esta foi a alternativa encontrada pela catadora de papel para lidar com a dependência química do filho. "Ele já roubou tudo aqui de casa: roupa de cama, talheres, panelas. Prefiro acorrentar antes que ele comece a roubar dos outros", afirma Maria, que tem 55 anos. A catadora atualmente cozinha em latas, enquanto junta dinheiro para comprar uma panela.

Mãe e filho moram na Vila Pantanal, região sul de Curitiba. Dormem em uma casa de madeira na rua sem asfalto, que tem a largura suficiente para apenas um carro de passeio passar por vez. O lugar não consta nos guias de rua da lista telefônica. As placas não trazem o nome do bairro, como é o padrão na cidade.

O presidente da Associação de Moradores da Vila Pantanal, Dirceu Domingo Fernandes, conta que o caso de Ângelo não é o único da região. "Existem pelo menos 50 dependentes químicos aqui na vila. Esse é o último recurso [o acorrentamento] de uma mãe desesperada", comenta Fernandes.

Apesar de ser consciente que pode responder criminalmente por acorrentar o próprio filho - o fato pode ser interpretado por alguma autoridade policial como cárcere privado, abandono de incapaz ou lesão corporal -, a catadora de papéis diz preferir fazer isso a "ver o filho morto". Maria diz ter denunciado duas vezes o filho para a Delegacia do Adolescente, mas nada teria sido feito. A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) não retornou as ligações da reportagem.

Ângelo confessa que cheira solvente de tinta e fuma tabaco, mas nega usar drogas. "Deus me livre. Nunca vou usar drogas", afirma o garoto, sempre cabisbaixo e andando de um lado para o outro enquanto fala. O adolescente considera como "droga" o crack e a maconha. A mãe suspeita que pelas atitudes do filho, ele já esteja usando "coisas mais pesadas".

Moradores da região contam que Maria começou a acorrentar o filho há uma semana. Ela deixa o filho preso ao fogão com uma corrente enferrujada e dois cadeados. "Deixo comida e tudo para ele. Assim posso sair para trabalhar". Na quinta-feira, Maria sentiu a necessidade de passar mais tempo fora de casa para arrecadar mais materiais recicláveis, o que a forçou a acorrentar o garoto à cintura.

Os problemas com Ângelo começaram há dois anos, conforme conta Madalena*, a vó do menino. "Tentamos diversas clínicas. Se tivesse dinheiro, já teríamos internado", relata Madalena. Ela opina que as leis estão tirando autoridade dos pais, que agora só conseguem lugar para tratamento com o consentimento da criança ou do adolescente.

Em razão dos problemas com o filho, Maria diz "acordar sem vontade de levantar da cama". Ela largou o emprego de faxineira da empresa de reciclagem onde leva o material coletado nas ruas e manteve apenas o de catadora de papéis. "Ele [Ângelo] ia direto atrás dela lá no depósito. O meu pai não gostava muito dele", conta a filha do dono da recicladora, que tem a idade de Ângelo. Assim como o líder comunitário, ela diz que esse tipo de história é "comum" na vila.

Outros moradores da Vila Pantanal, um adolescente e uma desempregada de cerca de 30 anos, que preferem não ter os nomes publicados, denunciam que a polícia sabe quem são os traficantes, mas nada faz. Contatada por volta das 17h30, a Polícia Militar do Paraná,até as 20h30, ainda não havia dado uma resposta sobre a queixa.

Sem auxílio

Além da Delegacia do Adolescente, Maria buscou auxílio no Centro de Referência da Ação Social (Cras), mas a questão com seu filho não foi resolvida e, segundo ela, "só vem piorando".

A Prefeitura de Curitiba respondeu por meio de nota que "famílias com filhos envolvidos com tóxicos podem procurar o Cras, na Rua da Cidadania do Boqueirão, ou o Cras Alto Boqueirão (Rua Wilson Dacheux Pereira, s/n.º), que são a porta de entrada para os programas sociais da Prefeitura". De acordo com o texto, a Unidade de Saúde Pantanal está capacitada para fazer atendimentos emergenciais relacionados à drogadição.

A prefeitura ainda promete que a Vila Pantanal receberá também o Programa Bola Cheia, que promove atividades esportivas para jovens à noite. O programa funcionará na nova quadra coberta que está sendo construída na Escola Arnaldo Alves da Cruz. A mensagem da prefeitura não traz datas.

Nomes foram substituídos para evitar que o menino sofra discriminação

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