
Ganhar uma bicicleta no fim de ano é um dos principais desejos das crianças ao redor do mundo. Em Curitiba, quem já tem uma sabe muito bem o que pedir agora: uma estrutura urbana que possibilite retirá-las da garagem e tomar a cidade com as magrelas. Esse foi o resultado da pesquisa feita entre os leitores da Gazeta do Povo sobre o presente que Curitiba deveria receber em 2012.
Entre as sugestões enviadas por leitores e internautas, a ampliação da rede cicloviária curitibana ficou atrás apenas de outros dois pedidos de "presentes" para o próximo ano: políticos mais honestos e compromissados e uma cidade mais segura.
Disputando espaço diante da frota de 1,2 milhão de veículos a maior do estado , as bicicletas em Curitiba têm angariado simpatizantes que vão além dos usuários ocasionais. Não há estudos que calculem com objetividade o tamanho desse grupo, sabe-se apenas que ele cresce em um ritmo muito maior do que o da infraestrutura cicloviária, ainda deficiente. Assim, não é surpresa que o pedido por mais espaço e segurança para as bikes tenha se destacado entre os leitores.
Os cicloativistas podem se orgulhar de ter um discurso afinado, ancorado, muitas vezes, nos erros e acertos dos gestores públicos. Neste ano, eles viram surgir tanto um dos principais instrumentos técnicos de incentivo ao transporte sobre duas rodas, o Plano Diretor Cicloviário, quanto equívocos, como o lançamento de duas ciclofaixas: uma no Centro, de uso restrito a um domingo por mês; outra, de apenas 75 centímetros a metade da distância adequada , na Avenida Marechal Floriano Peixoto. Nesse último caso, a prefeitura admitiu o erro e prometeu fazer os reparos necessários.
Para 2020
Mas as mudanças radicais no trânsito da cidade só deverão ser sentidas a longo prazo. A meta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippuc) de Curitiba é aumentar a rede cicloviária dos atuais 120 quilômetros para 300 quilômetros. Entretanto, a promessa é para que isso ocorra até 2020, dentro das diretrizes do Plano Diretor Cicloviário. Por outro lado, projetos mais recentes voltados à Copa do Mundo de 2014, como a requalificação da Avenida das Torres, já incluirão o espaço para os ciclistas na Avenida Comendador Franco, serão 10 quilômetros com faixas de sentido único nos dois lados da rodovia.
"Acredito que qualquer mudança só vai se concretizar no momento em que os projetos voltados à Copa começarem a sair do papel. Hoje, o pensamento (dos gestores públicos) ainda é focado e direcionado ao planejamento do transporte coletivo, negligenciando a opção pelas bicicletas", avalia o arquiteto e urbanista Rafael Sindelar Barczak, mestre em Gestão Urbana.
Mobilização
Há quem seja mais otimista. Para o coordenador do Programa Ciclovida, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), José Carlos Belotto, que, assim como Barczak também é ciclista, a forte mobilização dos cicloativistas têm forçado o poder público a dar respostas. A nomeação do advogado Marcelo Araújo para comandar a recém-criada Secretaria Municipal de Trânsito também foi vista com bons olhos pelos bikers: no fim de novembro, antes mesmo de assumir a pasta, Araújo percorreu de bicicleta alguns trechos da cidade para conferir in loco os desafios a que os ciclistas são submetidos. "Durante muito tempo, a prefeitura tentou resistir, fechar os olhos, mas esse ano ela percebeu que não dá mais para menosprezar o potencial da bicicleta como uma opção de transporte para boa parte da população", afirma Belotto.
Ele deixou o Inter 2 para não mais voltar
O engenheiro Daniel Marques tem uma relação de longa data com a bicicleta. Ao ser questionado sobre há quanto tempo se aventura em duas rodas pelas ruas de Curitiba, ele enruga a testa, pensa, olha para o alto. "Pedalo desde antes da faculdade", arrisca. Se a lembrança daquele primeiro contato é fugaz, o motivo para adotar de vez a bike como principal meio de transporte é resgatado com facilidade.
"Um dia, como sempre fazia de manhã cedo, peguei o Inter 2 (ônibus) e ele estava lotado. Era aquele empurra-empurra, eu agarrando a mochila, batendo nos outros. Comecei a passar mal. Daí decidi: nunca mais", relata Daniel.
Ele cumpriu a promessa. Largou o ônibus e ainda tenta se desvencilhar de vez do carro, que só sai da garagem duas vezes por semana, e olhe lá. Fácil não é. Afinal, são 11 quilômetros até o trabalho, da Vila Izabel à Vila Oficina, percorridos em trinta minutos, em meio a carros, caminhões, ônibus e o que mais transitar por cima do asfalto. Ciclovias no caminho? Um trecho aqui, outro ali.
Daniel não está sozinho. As reivindicações de ciclistas por mais infraestrutura e segurança em Curitiba ecoam por todos os lados, das mídias sociais até as esquinas do Centro. O barulho é alto e só tende a aumentar, garantem os "cicloativistas". O presente é pedido há tempos. Enquanto isso, haja paciência e cuidado na hora de pedalar.
"A bicicleta está se tornando parte do transporte dos curitibanos, mesmo com todo o risco de se locomover com esse modal. Quando houver uma boa estrutura, haverá ainda mais gente deixando seus carros em casa, em favor de uma cidade mais limpa e saudável", argumenta o engenheiro.
E se a busca por uma melhor qualidade de vida e a defesa do meio ambiente não forem argumentos suficientes para quem ainda opta pelo carro, Daniel tem outro na ponta da língua. "Ah, e andar de bicicleta emagrece também". Pronto. Quer motivo melhor que esse?



