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Comportamento

Eles não largam a vida no campo

Jovens de pequenas comunidades como Witmarsum até vão estudar em grandes cidades. Mas a maioria, quando pode, não troca o sossego da colônia por nada nesse mundo

“Eu prefiro a tranquilidade daqui do que o barulho de lá. Fui estudar para ter uma outra opção de profissão, mas sempre quis voltar.”

Daniel Siebert, 22 anos | Fotos: Henry Milleo/ Gazeta do Povo
“Eu prefiro a tranquilidade daqui do que o barulho de lá. Fui estudar para ter uma outra opção de profissão, mas sempre quis voltar.” Daniel Siebert, 22 anos (Foto: Fotos: Henry Milleo/ Gazeta do Povo)

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O campo ora verde, ora bege, o céu azul e limpo e o silêncio rural, interrompido vez ou outra pelo barulho dos carros e tratores, compõem a paisagem das férias ou mesmo dos sonhos de muitos que vivem na cidade. Mas essa é a descrição do lugar em que moram os jovens de Witmarsum, colônia alemã com 500 famílias e cerca de 2 mil moradores, a 80 quilômetros de Curitiba. Para os mais urbanos, viver numa comunidade assim, longe da correria da cidade grande, pode até ser um pesadelo, mas alguns dos jovens que estão lá não querem outra vida.

Orkut e Facebook muitos têm. O que fazer também não falta, embora não seja bem aquilo que estamos acostumados. A relação com a tecnologia também é diferente. Veja o caso de Daniel Siebert: 22 anos, agrônomo formado em Ponta Grossa – a um pulo de Witmarsum –, ele não troca o despertar às 4h da manhã, para alimentar as vacas leiteiras da fazenda do pai, por nada nesse mundo. Opção de sair Daniel teve, mas o chamado da natureza foi mais forte. "Não gosto de aglomeração" conta o rapaz, que trabalha com os animais e a terra desde os 11 anos.

Sair da colônia para estudar nas universidades próximas é uma realidade entre os moradores de Witmarsun. Há aqueles que se deslumbram com os numerosos carros e arranha-céus; entretanto, a ligação afetiva com a comunidade e os valores passados pelos pais pesa na decisão dos que ficam na colônia. Monique Ewert, 25, foi para Curitiba estudar Gastronomia. Se viu em um apartamento na rua Visconde de Gua­­rapuava, no Centro, uma das regiões mais movimentadas da cidade. "O que ouvia dizer é que morar em Curitiba não era bom. E eu prefiro a tranquilidade daqui do que o barulho de lá. Fui estudar para ter uma outra opção de profissão, mas sempre quis voltar."

Adaptação

Por serem bastante ligados à religião – Witmarsun é uma colônia evangélica Menonita – e aos valores do trabalho e da família, os jovens contam que tiveram dificuldade de se adaptar à maneira de pensar dos colegas da cidade. "Às vezes me perguntavam sobre minhas escolhas, como o porquê de não beber até encher a cara. Mas não tive dificuldade em fazer amigos. As pessoas se aproximavam por eu ser diferente" explica Monique. Daniel, porém, demorou para fazer amizades. "Me sentia perdido, com receio de ser quem eu sou pela minha vida e pela forma de pensar, mas no fim acabei sendo aceito." O uso das mídias sociais veio da cidade, como uma forma de interação, mas de volta ao campo eles deixaram de usar com frequência o MSN e o Facebook, que nem faz tanta falta assim, já que preferem conversar com as pessoas frente a frente.

Futuro

Outro jovem que ficou por Witmarsum foi Benjamin Kliewer, de 23 anos. Diferente de Daniel e Monique, ele optou por não fazer faculdade ou curso profissionalizante. Por enquanto, Benjamin serve os clientes da confeitaria da família, mas pensa em viver fora do país por um tempo. "Na cidade tudo é diferente, mais estressante e violento. Aqui tudo é calmo. Temos mais contato com os outros", diz, com sotaque carregado de um legítimo alemão – mesmo tendo nascido e vivido quase toda a vida no Brasil.

Entretanto, esses três exemplos não são a regra na comunidade, já que nem todos têm chances de emprego por lá. Aí, o jeito é encarar a vida fora, mesmo que isso signifique sentir o cheiro do campo só nos finais de semana.

Religião e cultura pesam na relação entre jovens e comunidade

Os jovens de Witmarsum nascem sob a influência do evangelho. A comunidade foi criada há 60 anos por alemães da igreja Me­­nonita, surgida no século 16 com a reforma protestante, e possui dois templos: um com cultos em alemão e outro em que a pregação é em português – este último criado há cerca de três anos para atender as famílias brasileiras que migraram para lá.

O pastor e responsável pelo grupo de jovens da igreja alemã, Mi­­guel Lopes, lembra que os menonitas fugiram do país de origem por perseguição religiosa. "Existem famílias mais fechadas na colônia. Algumas até não permitem que os filhos vão para a cidade", explica. Por isso, quando alguns dos jovens decidiam sair e voltavam com namoradas "brasileiras"... "Até 2008 tivemos problemas de famílias alemãs que achavam ter ‘perdido’ os filhos para as "brasileiras". Tinham as que não aceitavam o casamento, mas isso foi mudando", conta o pastor. Monique Ewert, ela mesma namorada de um não-descendente de alemão, diz que em casa a relação é bem aceita, mas nem sempre é isso o que acontece: "os idosos costumam não aceitar bem esse tipo de namoro. Alguns pais chegaram a expulsar os filhos da colônia."

A tentativa de preservar a cultura local também está presente nos bancos da escola. Lá, as crianças aprendem primeiro o alemão e depois o português. Para o antropólogo e professor da USP José Mag­­nani, a forte ligação dos moradores com a religião e com os valores comunitários explicam o por quê de alguns jovens decidirem ficar na colônia. "É uma característica muito particular, que não é comum. Além da religião, existe a valorização do trabalho, que tornam os laços sociais mais fortes."

Diversão

Mais calmaria, menos balada

Não é porque Witmarsum não tem balada que os jovens não se divertem. Diferente dos que moram na cidade, com mais opções de bares, casas de shows e casas noturnas, os de lá preferem programas tranquilos, como um bom churrasco no sítio e na fazenda dos amigos ou viagens para conhecer lugares novos. Daniel Siebert, 22, conta que nos fins de semana ele e os amigos pegam a moto e "descem a estrada" em busca de lugares que ainda não conhecem. "Quando a gente faz festas elas são pequenas. Às vezes fazemos churrasco em poucas pessoas, umas três, no máximo. Também acampamos umas duas vezes por ano", diz o jovem, que gostaria de acampar mais, mas não pode por causa do trabalho.

Mesmo perto da cidade, os jovens não têm o costume de sair da colônia à procura de badalação. E como alguns dos que estudam fora vão passar o fim de semana por lá, Witmarsum, fica um pouco mais "agitada" de sábado a domingo. Comparando as festas da colônia com as da cidade, Monique Ewert, 25, acredita que a maior diferença está na quantidade de bebida, que por lá é mais moderada. Pela forte presença da religião no dia-a-dia dos habitantes, os jovens que fazem parte do grupo da igreja gostam de se reunir para jogar conversa fora. Sem contar esse programas, Benjamin Kliewer, 23, diz que gosta de pescar, e curtir a tranquilidade do campo. Pelo jeito, disso ninguém enjoa.

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